Parte 3
Mais estranho ainda do que seu jeito de fazer as coisas, era o seu jeito de pensar as coisas. Uma vez, Pepê entrou no chuveiro de óculos. Foi tomar banho e se esqueceu de tirá-los, como se aquilo fosse uma extensão do seu corpo. E não era?
O dia estava frio. A água estava quente. As lentes logo começaram a embaçar e ele passou a ver tudo branco e esfumaçado. Sequer pensou nos óculos. Usava óculos? Só lembrava se alguém reparasse ou se usasse o espelho. Coisas, que por sinal, não gostava muito. Nenhum motivo especial, entretanto.
Já começou a pensar que estava tudo se acabando. Pronto. Era o fim. E era assim que ele vinha. Como a cegueira de Saramago, o apocalipse, enfim. Toda sua vida se extinguindo num banho, numa terça-feira de Hairspray na televisão, levada por um mar de espuma branca pelo ralo.
Até que começou a sentir o suor onde descansava a armação, e percebeu do que se tratava. Tirou os óculos. E o mundo desfocado e quase indistinguível fez sentido, pela primeira vez na vida.
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