quinta-feira, 22 de março de 2012

Constatação

Eu não me lembro do dia em que sarei. Em que parei. Não me lembro nem da sensação e nem do sentimento dessa hora. Eu sei que pensei que seria como desafogar. Que eu respiraria aliviada, do nada, e sentiria tudo quanto eu não sentia mais, como passa o formigamento. Não foi. Bem, um desafogar foi. Mas foi depois. E diferente. Foi mais como puxar todo o ar da vida por uns pulmões ardidos e pam! viver de novo doeu demais mais tarde. Mas, enfim.

Mas, enfim, eu lembro que contei uma piada. E todo mundo riu. E eu ri. E, num suspiro bobo, meio rindo, eu disse na hora, sem pensar, o que eu tava sinceramente sentindo, pela primeira vez na vida: tinha me esquecido de que eu era engraçada. Você não sabe o que é se redescobrir! E você virou pra mim. E virou só você, no meio de todos aqueles outros, ao contrário de todas as vezes em que virou qualquer outro, a sós comigo. E um só a ponto de eu conseguir ver apenas o seu olhar de sorriso, o seu sorriso, torto, e de ouvir a sua voz me dizendo: eu não.

E naquele momento eu te amei. Eu realmente te amei. Mas não foi aquele amor pelo amor que você sentia por mim, como sempre. Nem aquele amor por gratidão. Mas eu lhe fiquei grata, também. Intensa e inteiramente grata por você ter se proposto a caminhar comigo na escuridão. Mas mais ainda por você ter entendido que eu precisava ir sozinha.

É.

Naquele momento em que eu te agradecia por ter percebido que não podia me guiar mais ou me amar mais, eu descobria que podia te amar, sim.

quarta-feira, 14 de março de 2012

... .

Eu sempre recomecei. Nunca tive medo ou receio, às vezes (todas) dor, mas sempre coragem. Se eu não estivesse feliz, me fazia todo o sentido do mundo encerrar e começar do zero nova busca. Como acomodar com a felicidade dando sopa por aí? E mais, para quê? Mesmo que o caminho pelo qual eu tivesse de recomeçar estivesse calejado, marcado já por meus passos em falso, eu sempre quis beber até a última gota das possibilidades em começar de novo.

Você demora a perceber que última gota não há.

Eu poderia passar a vida inteira recomeçando, sem terminar nada. Confundindo a força infeliz na edificação das coisas, ao enfrentar suas eventuais frustrações, com a preguiça dura dos acomodados. E encerrando em mim toda a coragem necessária em enfrentá-las, para então, encerrar, em todos, tudo aquilo que eu outrora edificava. Mesmo que fosse para que o tudo voltasse. Precisava que se encerrasse, enterrasse, errasse em alguém que não se admite errar... re-co-me-ças-se. O fim me é tão familiar a ponto de me soar mais seguro que o êxito.

Cansei, cansei, cansei de viver de recomeços. Careço, hoje, viver de prosperidade.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A dois

'Eu queria ser o seu amor, mas aceito ser o seu amante'

A vez em que eu ouvi isso devia ter, sei lá, aquela idade em que você acha que o amor é suficiente ou que traição é privilégio (ou desgraça) de quem não ama. E eu fiquei indignada. Como assim? Como que alguém podia aceitar isso, aceitar só as migalhas de um amor? Ou nem isso? Por quê? Anos mais tarde, quando me ouvi dizer 'eu quero que você me use, então' foi que eu entendi.

Não estou dizendo que achei certo, que achei justificável, ou que me senti menos repugnante. Tem tanta coisa em jogo! Só entendi.

Daí você, que foi de quem eu escutei aquilo, e quem eu achei que por causa disso fosse entender mais do que ninguém, você me sentou numa cadeira e limpou minhas lágrimas. Lágrimas teimosas que insistiam em cair contrariando toda a força fria das minhas palavras. E tirou o cabelo que havia grudado nelas, em meu rosto. E me falou:

- Tem coisas para as quais nós devemos estar preparados, menina.

Pfff.. Eu tinha acabado de despejar ali o que acreditava ser o desejo de todo cara e ele me dizia isso? Fosse o que fosse que ele sentisse por mim, amor, raiva ou indiferença, ele sairia ganhando e pronto. Quem precisa estar preparado para uma coisa dessas?

- Quando você veio pra cá... quando você veio pra cá, você não estava. Quando eu te conheci, eu não estava. E quando nós nos perdoamos, nenhum de nós estava. Lembra? Lembra do que você me falou sobre o perdão?

- Só quem não ama perdoa.

- Pois é verdade. Eu quis estancar essa sua frieza, como fiz o tempo todo com você, que insistia em sangrar e suar indiferença, mas é verdade. Pelo menos assim, de cara. Só perdoa assim quem não se importa com o erro do outro, e só não se importa quem não ama. E foi exatamente o que a gente fez... Não suportávamos viver separados que nos jogamos um perdão que não existia, um perdão de gente que não sente nada.

Mas o que é que isso tem a ver com...

- E você está fazendo a mesma jogada agora, menina. A mesma jogada.

E desde quando oferecer perdão era a mesma coisa de oferecer...

- Desde quando o perdão que eu te ofereci foi tão prostituído quanto isso que você tem a me oferecer agora.


ps. lembrar-me de ir embora antes que ele consiga ler meus pensamentos.
e me deitar fora.