quarta-feira, 18 de junho de 2008

em construção I

Sim. Era assim. Como se o corpo dela fosse todinho escrito em braile e tivesse sido, por suas mãos, tantas vezes traduzido, que ele o tinha decorado. Sabia de cada palmo, cada cicatriz, cada pinta dele. Sabe quando acontece de acabar a luz da casa da gente e mesmo no escuro, sabermos onde estão as coisas, a que distância exatamente devemos virar ou subir um degrau? Então... Nunca se sentia perdido no corpo dela, por mais força com que fechasse os olhos, por mais no escuro que se encontrasse.

E é. Era onde se encontrava, agora. Há anos que não a via e não existia escuro maior que esse, mas, mesmo assim, vez ou outra, contra tudo e contra todos – e contra ele e contra ela – a desenhava. Perfeitamente em cada detalhe. E com o mesmo deleite com o qual descobrira pela primeira vez aquele corpo todo novo, todo seu, vulnerável.

Há uma música bonita, a preferida do pai dela, que diz que os detalhes acabam sumindo na longa estrada, aquela que transforma o amor em quase nada. Mas ele discordava disso. O amor podia sim virar quase nada. Podia, aliás, virar nada, mas os detalhes... Eram justamente os detalhes que ficavam!

O jeito com que ela mordia o cabo da escova de dentes, antes de escová-los, para poder amarrar o cabelo, impedindo que ele caísse na pia na hora de cuspir a pasta, e ficava tentado conversar com ele com aquele cabo na boca, dizendo palavras inteligíveis enquanto ele, deitado na cama, assistia a televisão, concordando com a cabeça sem entender nada. E em como acordava na manhã seguinte, primeiro que ela, e ficava olhando as marcas daquele sorriso torto na escova dela, antes de pegar a sua.

As sobrancelhas temporariamente despenteadas quando passadas suas mãos pelo rosto indo até a nuca, num daqueles momentos de cansaço nos quais ele a pegava no fim do dia, sentada na cozinha anotando mais uma receita, naquele seu vício de reescrever todas as obtidas com as amigas que julgava prendadas, ou no verso dos rótulos de leite condensado.

De como cantarolava “ciranda da rosa vermelha” quando ia lavar a louça. E ficava vermelha assistindo a algum pornô. De como dirigia com a mão no câmbio. E deitava de bruços para ir dormir, depois virava de um lado e dormia, enfim, do outro. O vestido amarelo que ele gostava. O par de argolas que ela gostava. A mania de fazer xixi antes do sexo, mesmo sem vontade. O rabo-de-cavalo que sempre ficava torto. O suspiro doce que acompanhava seus sorrisos. Seus passos pelo corredor. Da sala para o quarto. Da cozinha pra sala. Descalça, de salto, de meia. Sempre pôde ouvi-la passo a passo.

(...)

domingo, 15 de junho de 2008

O universo na casca do ovo.

Já conheço uma pessoa que conhece uma pessoa que eu conheço em São Paulo.

Eta mundinho besta, meu Deus.
Do tamanho de um ovo!

monossilabicamente é uma palavra de muitas sílabas.

Você é o meu monossilábico preferido.

Mas, às vezes, eu preciso que você fale, preciso que você grite, preciso que você declame ou se declare...

Muito vento move o moinho do tal do amor, sabe: conversas espontâneas, jantares românticos, sexo selvagem. Mas as palavras bem pensadas e dirigidas, meu querido, se você soubesse o poder que essas palavras têm... Não digo do poder para se conquistar um grande amor. Para isso você usou e abusou das pobrezinhas que me dá até pena. Foram xavecos, promessas, mentiras, e até algumas verdades. Falo é do poder que as palavras têm de mantê-lo.

O tempo passa. E você acha que cada vez mais precisa cada vez menos delas. Aí você as estoca na dispensa, as soca na estante e espera alguma ocasião especial para usá-las. Se esquece de que todo dia é, de certa forma, sem clichê ou falso otimismo, uma espécie de ocasião especial.

Ah! Ficou um texto muito cor-de-rosa, agora. E eu só queria que você falasse mais comigo, porra!

Melhorou.

x)

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Dia D

Eu quero querer te ajudar, juro.
Mas tem horas em que me bate um egoísmo com relação a você.
E é nessas horas em que eu me pergunto se a gente tem que ficar junto:

Você com essa raiva que vem do nada.
Eu com esse egoísmo que vem com tudo.

terça-feira, 10 de junho de 2008


Papel, caneta e eu:


Praticamente um menage à trois.

Noites regadas a Nietzsche

Nietzsche está acabando comigo! (ou confirmando tudo que eu desconfiava e não queria que se confirmasse, o que talvez seja a mesma coisa)

Disse-me ele, ontem a noite, que toda ação é auto-dirigida.
Todo serviço é auto-serviço.
Todo amor é amor-próprio.

Não se ama pessoas. Ama-se sensações...
Não se ama o desejado. Ama-se o desejo.
E só.

Destruiu o altruísmo.

Acabou com o amor.

Casou-se com minhas crenças.

E ficou morando comigo.