quinta-feira, 31 de julho de 2008

em construção II

E agora, ao ouvi-los, pelo corredor, apressados, sabia muito bem de quem se tratavam.

Ela abriu a porta do apartamento, sem bater, sem anunciar, avassaladoramente mal-educada e mesmo assim encantadora como ele logo percebeu ao virar o rosto para analisá-la, parada, sem graça, na porta. Não. Não vinha de vestido amarelo. Sequer vinha com os vestidos que adorava usar em dias quentes como aquele que se anunciava. Mas vinha com um par de argolas. Menor do que os que dantes tanto gostava, vinha, também com uma roupa de ginástica como se saída da academia. Ou nem ida, já que nem suava. Informal como propusera o tipo de conversa que gostaria de ter com ele, mesmo com a separação, mesmo com a distância que de todos os jeitos, mais ainda os separava. Os cabelos, mais curtos, no tradicional rabo-de-cavalo pendendo pra um lado.

- Não estou acostumada em tocar a campainha dessa casa.

Disse em tom de desculpas, por trás do sorriso rouco, ao perceber que entrara sem mais nem menos e o pegara desajeitado, jogado no sofá com os olhos para além de uma televisão que, parada num canal de esportes, mostrava um jogo de futebol qualquer.

Ela olhou para onde os olhos dele estavam antes de virar-se para olhá-la, enquanto ele se levantava rindo, dizendo que não se importava, que tinha podido ouvi-la, rápida e decidida pelo corredor. Aliás, aquilo o incomodara. Ela sequer titubeara, sequer hesitara em abrir a porta e encará-lo depois de anos. Coisa que ele, com certeza, faria em seu lugar. Sempre teve a impressão de que ela fosse muito mais forte que ele. Mesmo se ele endurecesse. Mesmo quando ela fraquejava.

- Assiste a futebol, agora?

Ele se virou para olhar o canal em que tinha parado durante o seu devaneio alimentado pelo troca-troca do controle remoto. Riu-se e se lembrou imediatamente do que já deixara escapar, um fato que fugia à pequeneza do detalhe e à eternidade de uma vida vivida em conjunto. A paixão dela por futebol. E o seu, digamos que, desprezo. Ambos claramente anunciados.

“Sua Nina é o homem da relação, meu caro.” Escutara tantas vezes os amigos dizerem quando ela assistia aos jogos com eles. "Não deixa essa escapar!"

Deixara.

Que é a vida senão uma aventura errante?

As pessoas não se cansam de me corrigir. Ou simplesmente me dizer que eu não sei como fazer determinadas coisas direito.

Desculpa, eu posso até não saber mesmo.
Mas quem foi que disse a elas que elas sabem?

Por mais experiência que elas tenham ou por mais que superestimem o que fazem, nem sempre essa segurança total de si mesmo traz algo de positivo junto. Sem querer você acaba que já não se contesta mais. Não digo que deva brigar contigo. A única pessoa com quem não brigo nem a pau é comigo!

Mas, admitam. Essas pessoas, mais do que ninguém, precisam de mim.

Precisam que eu faça as coisas diferente de como elas fazem para que aprendam a apreciá-las ao invés de julgá-las indelicadamente.

Estou me sentindo assaz num comercial da coca-cola, agora. Mas é verdade. Talvez se tentássemos fugir um pouco mais dos julgamentos, as coisas seriam mais livres, e não há absolutamente nada como a liberdade. - Perguntem as pessoas que não a tem -.

Perguntem a elas, que se prendem tanto à noção de que como fazem é o certo que acabam por perder os melhores erros da vida delas: eu e minhas bobagens.

;D

In memorian

Tem coisas que só de lembrar, pode nem ser de todos os detalhes, ou das mínimas feições, trazem por companhia aquela ânsia. Aquela necessidade contida de rasgar a lembrança como se foto, dessas que a gente pode deixar em mil pedaços até não reconhecer mais. Fato é que eu acredito na perenidade da memória, (in)felizmente. Não de todas as coisas. Mas das principais, ou das que pareciam insignificantes até você perceber que não são mais - nunca de fato o foram.
E outra... Mesmo que a foto ou a lembrança se tornem irreconhecíveis, você não vê mais com a mesma claridade aquilo, mas sabe que aquilo ainda existe. Ainda respira, se alimenta, vive e se reproduz na sua cabeça dia após dia. Sem morte.
Excrucitante.
Às vezes podem até ser confundidas com saudades. Ou deixar saudades. Mas é bem diferente: "Saudade é um pouco como fome. É um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida." Isso é mais como um vômito.. Tão urgente quanto, mas com uma diferença vetorial importantíssima.
Saudade a gente é obrigado a engolir.