segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

2011

Se alguém me contasse, no começo desse ano, que eu trancaria a USP e não voltaria pra São Paulo, que passaria o natal e o reveillon na Argentina, que engordaria cinco quilos, que compraria um cachorro, que enjoaria de comida japonesa, que descobriria um desamor e um amor de mesma intensidade... Eu iria dizer 'cala a boooca!'

Alguém tem alguma dúvida de que eu não vá especular nada do ano que vem?
Que venha.
E nunca percam a fé num ano ímpar.

:D

Boas festas desde já que eu não volto pra cá tão cedo.
I guess.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Verdade

Eu não canso de me arrepender. Não canso de fazer perguntas sem respostas, de me questionar por que fui fazer isso ao invés daquilo, por que não disse exatamente tal coisa ou por que eu não posso simplesmente voltar uns meses de vida e não esfaquear oportunidades que hoje eu lamento, irresistivelmente, ter esfaqueado até a morte. Não canso de exaltar um passado que não tem a menor possibilidade de voltar, de me condenar por um erro irreversível. Aliás, eu até hoje não tenho bem certeza se existe algum que se reverte mesmo... Não canso de trair a mim mesma, fazendo, sentindo, falando e até comendo exatamente o que eu me prometi nunca mais, nunca mais, voce tá me ouvindo?
E eu não vou me cansar nunca. Se engana você se acha que pode continuar assim que um dia vai se cansar, mais do que todas as outras vezes em que disse que estava exausto, que não aguentava mais, que aquela era a última vez.

Se lamentar não cansa, meu amigo. Vicia.
Você, assim como eu, só vai parar o dia em que perceber que supervalorizamos demais nossas escolhas pessoais. E isso pode demorar muito, muito mesmo, se contarmos com a nossa deseperada necessidade em pertencer, em nos sentirmos com alguma significância nesse mundo. Ainda mais quando não temos ninguém para dizer que pelo menos na vida dessa pessoa significamos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Personageando-me

Em todo o meu tempo de leitora busquei me encontrar em alguma das personagens que li. Mais do que numa simples - ou até mesmo complexa - semelhança ou num gosto incomum em comum, eu busquei achar algo que me explicasse de um jeito que nem mesmo eu sabia me explicar, de um jeito espelho que me tomasse de um assombro inteiramente particular. Procurei... Especialmente nas personagens masculinas porque, a despeito de conseguir fazer mil coisas ao mesmo tempo e de prestar atenção e opinar em mil conversas paralelas, sempre me achei um pouco homem num corpo de mulher. Minhas reclamações, o jeito de lidar - lê-se fugir - dos sentimentos e relacionamentos, minhas indiferenças e desatenções, meu desligamento, absolutamente tudo que eu sempre ouvi minhas meninas falarem e concordarem, em cumplicidade, a respeito dos homens era o que eu pensava/sentia/fazia, desde sempre. Isso, além do futebol e da cerveja, confesso, fizeram com que me procurasse, sinceramente, nos homens que li e reli sem limites, durante a vida. Mas foi numa mulher, e quando menos esperei ou procurei, quando já me pensava única no mundo - olha que disparate! - que fui me encontrar, certeira. E não foi diferente do que eu pensava, não. Me tomei de um assombro espetacular, me entendi como nunca e como nunca me senti mulher.

Amaranta Buendía é uma personagem de Gabriel Garcia Márquez, em Cem Anos de Solidão. E ele conseguiu explicar e entender nela o que eu passaria anos sem entender e explicar em mim.
(ou que eu passaria anos fingindo que não entendia?)

"Amaranta, pelo contrário, cuja dureza de coração a espantava, cuja concentrada amargura a amargava, foi revelado no último exame como a mulher mais terna que jamais pudesse haver existido e compreendeu com uma penosa clarividência que as injustas torturas a que submetera Pietro Crespi não eram ditadas por uma vontade de vingança, como todo mundo pensava, nem o lento martírio com que frustrara a vida do Coronel Gerineldo Márquez tinha sido determinado pelo fel ruim da sua amargura, como todo mundo pensava, mas sim que ambas as ações tinham sido uma luta de morte entre um amor sem medidas e uma covardia invencível, e triunfara finalmente o medo irracional que Amaranta sempre tivera do seu próprio e atormentado coração."

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Singeleza

Existem poucos lugares em que eu me sinto completamente bem não importa em que ponto da estrada eu esteja, nem penso em você. A livraria é um deles.

Estou para comprar Paris é uma Festa, do Hemingway. Li as primeiras páginas e estou apaixonada por ele. Mas é caro pra um livro que eu vou terminar de ler em um dia... Queria levar mesmo é Por Quem os Sinos Dobram, mas não tenho dinheiro pra ele, não trouxe. Ele é mais grosso, pelo menos.

Se bem que eu estou curtindo as edições bilíngues. Se o livro não é bom, eu estudo. E mesmo finos eu passo mais tempo com eles. Mas até agora eu só achei Emma, da Jane Austen, e eu num estou nem um pouquinho motivada para ler Jane Austen. Além do mais, particularmente eu não gosto de livros com nome de mulher, assim como não gosto de cachorros com nome de gente.

Queria achar um em francês bem difícil, mas não acho. E nem vou perguntar. Não gosto de perguntar por livros quando não vou para comprar especificamente um. Se eu não achar, num era pra ler...

Vou acabar levando O Tempo entre Costuras, da María Dueñas, mesmo. Faz dias que eu estou para ler esse. Gostei do nome... E de que a primeira frase dele seja "uma máquina de escrever detonou o meu destino". Queria uma máquina de escrever... Vou pegar esse que está por aqui mesmo. Gosto da perspectiva de que várias pessoas passaram as mãos por ele e por algum motivo não o levaram pra casa, numa cumplicidade doída de se assumir.

Queria mesmo uma máquina de escrever.

...


Queria você.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Me questiono

Nossa perfectibilidade é uma das características que nos diferencia dos animais.
Além da consciência da morte, que deveria ser mais como uma urgência da vida, mas tudo bem, seria mais uma forma de nos enganarmos. Que as coisas que nos pareceriam urgentes, nela, nos seriam como lixo, uma hora. E num é? Confessem. Sem exageros ou licença poética. Lixo mesmo. Que a terra podia muito bem engolir, imediatamente. E se ainda não é, há de ser.
Nossa perfectibilidade é isso. É o que garante a não insubstituibilidade (e se nem existir essa palavra, foda-se. Só ela pode dizer o que eu quero dizer) de qualquer coisa no mundo. Tudo vira esse lixo. Não adianta.
Tudo.


Nossa perfectibilidade é uma das características que nos diferencia dos animais.
Então por que é que me canso de nos ver revirando o lixo como um deles?

Puta que pariu.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Pra você guardei o amor

Ela era tão linda, tão deliciosamente linda, que eu nem ligava chegar em casa e vê-la andando nua num apartamento de cortinas abertas. Silenciosamente, ia até lá e as fechava, enquanto ela abria o seu sorriso pra mim. Não que ela tivese um desejo interno de grandioso exibicionismo. Gostava de luz, gostava de nudez, e para ela as coisas funcionavam simples assim. Não se importava com absolutamente ningúém. E disso quem gostava era eu.

Me realizei ao vê-la lidando gentilmente bem com os ataques da minha mãe ao seu jeito de ser, vestir, falar, comer, e ser novamente, exatamente nessa ordem, quando se conheceram. Eu lhe avisei que isso aconteceria, que ela se incomodaria com nosso relacionamento e todo mundo iria falar e comentar sem parar aquele dia, e os que viriam também. Minha família nasceu, cresceu e provavelmente vai se extinguir sem saber admirar a exceção. Ela simplesmente não sabe lidar com o prato diferente que substitui o que quebrou, na mesa posta, sabe? Não sabe lidar com a realeza da minha menina no reinado de mulheres sem graça da família. Mas era como se eu nem precisasse avisar...

Chego e a arranco de onde quer que esteja, a trago para colar em mim, pelo quadril, lhe declaro e dedico poemas (um novo a cada dia) ao pé do ouvido, porque sei que ela gosta e morre de rir e de amor. Ah, e descobri, recentemente, que não são os mais eróticos que terminam minhas chegadas em uma entrega de amor mais louca, e sim os mais tristes.

- É que tenho tanto dó da tristeza...

Confessou-me quando perguntei sobre esses poemas, dias desses, depois de lhe imitar um solitário trovador, deitado em seu colo - meu palco mais cheiroso e gostoso e inspirador do mundo.

- ... e preciso mostrar que existe saída. O amor existe, sabia?


Se sabia, era por causa exclusiva dela.
E se era saída?

Bom... Foi a minha.


Pra você guardei o amor.

sábado, 23 de outubro de 2010

Outono

Em São Paulo, depois de (quase) um ano totalmente alheia e distante, por culpa e consequência de uma necessidade criada em momento inoportuno, dentre outras coisas tão complicadas que só eu estou acostumada - e teimo em achar que os outros também estão, e já não quero mais estar -, numa noite muito menininha como há muito tempo não tinha - e nem sentia -, resolvemos ler novamente todos os posts e comentários do final de 2008 de todos os jornots que os escreveram. É meio engraçado, irônico e incômodo. Hoje, aqui comigo, 24h por dia desde o dia em que eu cheguei, tenho a única jornot que mandou um post sofrido, duro, sincero.. e de verdadeiro ódio à ECA. Aquele ano pra ela definitivamente não foi o mesmo pra mim ou para os outros. Eu não fui pra ela o que devo ter sido pro restante, nem o que o restante foi pra mim o foi pra ela. Mas está sendo aquela que recolhe, eficientemente (se é que dá pra falar em eficiência quando se fala em saudade), essas saudades de hoje dessa ex-jornot 08... Talvez tão doídas, duras e sinceras como tenha sido aquele ano pra ela, e eu não estive presente, sequer ciente disso, na época. E é claro que tem comigo também a amiga de sempre. Constante, de cotidiano a e-mails de saudade, de falhas e amores tão humanos que me conquistaram eternamente. E eu, a mesma... só que completamente diferente! :)
Os outros posts foram todos de amor derramado.
E os comentários mal podiam esperar pelo que estava por vir. O negócio é que o que estava por vir... veio.
Não vou dizer que nos iludimos ou superestimamos o futuro. Porque, sim, eu sei que os CAJUS diminuíram, as brigas surgiram, e aumentaram, as divisões, finalmente, apareceram e, enfim, as pessoas miaram. Ou simplesmente cresceram... Mas era natural que pensássemos no futuro daquele jeito. Atípico seria se tivéssemos pensado como se fosse vida... Era surreal demais para simplesmente ter o mesmo destino de todas as outras coisas, sabe? Mas, no fundo, era só realidade. E ainda bem! Porque permitiu que as lembranças não passassem pela amnésia natural dos sonhos, com o passar dos dias.
Não digo que pudéssemos corresponder a essa eufórica expectativa. Muita coisa, talvez, tenha tomado o rumo certo: os casais deixaram tudo mais sossegado, é verdade, mas ainda são belos casais... devia estar escrito. Mas eu também sei que muita coisa podia ter sido diferente. Foram reescritas à minha maneira, nem sempre muito inteligente, mas sempre muito visceral.

Não me lamento, me arrependo ou reclamo de nada. Não me permito. Mas também não me permito fingir que não me doem as expectativas assim, como flores pisoteadas...

sábado, 9 de outubro de 2010

Confissões de um menino perdido

Bea me acordou cedo domingo. Sonhei que ela estava se afogando e não consegui mais dormir. Passei anos da minha vida brincando dias inteiros, no rio, com uma Bea pequena e destemida, que caçava borboletas coloridas e pegava girinos com as mãozinhas em concha. Mas de uns tempos pra cá, ela passou a dizer por aí que tem medo de morrer afogada. Minha mãe diz que bobagem, Bea deve ter sonhado que se afogou e traumatizou. Mas eu tenho certeza de que ela só começou a dizer isso pra imitar a Natalie Wood. Sabe, antes de perceber isso eu nunca tinha pensado em como deve ser difícil crescer mulher por aqui. Não se tem exemplos, muito menos espaço... Bea quer medos poéticos de destinos bonitos, por isso rouba umas vidas que não são dela. Nem das senhoras sem graça alguma que nascem e morrem por aqui, sem deixar nada. Eu gosto. Quando ela diz coisas que pensa serem sofisticadas, revela outras nunca dantes percebidas, desenha gestos diferenciados, eu fico tentando imaginar em quem ela está imitando, que filme está rodando na cabecinha dela. Por isso eu sei que quando diz aquelas coisas ela só está imitando a Natalie Wood... Bea quer ser mulher em toda sua essência, como nunca vai ser possível aqui, eu acho. Já eu quero brincar no rio, ainda. Rio que ela não vai mais por causa desse pseudo medo de um destino roubado. Bea cresceu. Antes de mim. E isso me doeu muito! Esses dias, ela me disse que ficava apaixonada por mim quando via que eu estava com alguma roupa descombinada, apesar do meu esforço em combiná-la bem. Eu, como todo menino bobo, fiquei mais bobo ainda, achando que ela estava falando sério. Riu de mim. Eu não disse que tinha entendido assim, claro, mas mulher lê essas coisas no olho da gente. Na verdade, eu acho que elas só dizem essas coisas pra ver o poder que tem sobre nós estampado no olho da gente. Bea não é uma paixão, nem eu sou uma dela. Mas é que ela tem, sim, poder sobre mim como toda mulher que a gente deixa tomar conhecimento de nossa suficiência dela. E esse poder é a única coisa desenvolvida em todo seu potencial de mulher que nunca muda, em lugar nenhum, nem aqui! Por isso tenho a impressão de que Bea vai abusar bastante dele... como uma déspota desesperada, rainha... ora imagem de uma moleca descalça, nas minhas lembranças, ora de uma mocinha de cinema, no meu coração, já vem abusando do poder de me acordar e não me deixar mais dormir, de vez em quando.
Vai que de vez me encanto...
... de vez me encanto com as perninhas finas dela.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Ficar com você foi como olhar minha vida do lado de fora.
Não que eu não estivesse presente, mas era como se, ao mesmo tempo, eu me assistisse. Contrariando toda regra da física, de repente era possível que eu estivesse em dois lugares ao mesmo tempo, desde que não contrariasse qualquer outra regra... Minha. Essas não são muitas, nem tão complexas. No geral, me privam de grandes aborrecimentos e, também, amores. Por causa delas nunca assumi riscos. Nunca me permiti errar de corpo e alma, estando sempre, de uma certa forma, em cima do muro. Nunca inteira, ou de um lado, ou de outro. Tem uma historinha maniqueísta na qual Deus chama aquele que está em cima do muro para o lado dele, enquanto o Diabo fica quietinho no seu. Até que a pessoa, intrigada, pergunta: pô, Diabo, você num vai nem tentar me chamar pro seu lado? E o Diabo responde: num preciso, enquanto você estiver aí, você já está.

Por isso eu acho que devo ter assistido minha vida com você! Porque tinha eu, essa minha parte de mãos dadas com o Diabo, me equilibrando para não cair de vez pro seu lado, mal sabendo que já estava em um deles, e tinha eu com você. Como filme, como minha vida deveria ser: uma estrada sem fim e em boa companhia ao som de Norah Jones.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

parte II : fotossintética



Assustou-se com a sua capacidade de esquecer. De repente quis se lembrar da cor da pia do banheiro dele, de qual era a gaveta em que ficavam os talheres, e nada. Desesperador seria ver suas melhores lembranças sufocadas em tão pouco tempo, se sentisse alguma coisa. Mas não. De tanto se negar a isso, naturalmente já não sentia. Olhou bem para a cor da sua pia, para a primeira gaveta à direita onde ficavam os seus talheres. Lamentou ser, ao contrário dele, esse pássaro de asas cortadas, que foi incapaz de levantar vôo. Mas daí mudou o olhar pro seu lado na cama vazio, pra sua cama só sua, sua vida só sua, e agradeceu não ser um enjaulado.

Saiu e se comprou flores.
As mais bonitas.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Circo: malabarismo

Tentar respirar com um elefante sentado na boca do seu estômago.

=\

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Memórias de um menino perdido

Queria jogá-la com força num táxi qualquer e dizer pra todo mundo ouvir: "leva essa puta daqui embora". Queria empurrá-la com a força que a abraçava, chamá-la de puta com a mesma convivcção que a amava, atingi-la de alguma maneira, da pior maneira possível. Queria, ardia, desejava. Mas mais do que tudo isso, queria é não conseguir fazê-lo, e conseguia.
Ofendida ela ia. Inteira voltava.
Sempre voltava.
Eu nunca entendi o amor por causa disso.
Meu pai desejava minha mãe mais do que o ar. Achava que ela era a mulher mais bonita que já viera ao mundo, a coisa mais perfeita que Deus já criara. E quando ela se embelezava pra sair... Quando descia as escadas de casa com as pernas nuas, os olhos pintados, o cabelo arrumado, linda, linda, linda, ele se encantava. Mas logo se irava, profundamente, ao pensar nos olhos pousados sobre ela. De um deslumbre momentâneo e involuntário vinha o ciúme arrebatador que a humilhava, antes mesmo que ela chegasse aos pés da escada.
Aquilo eu engolia em seco. Quando pequeno, mal percebia envolvido em alguma brincadeira que Bernadete inventava pra me levar longe da gritaria. Depois, ficou impossível que a pobre moça me deixasse alheio ao que acontecia na minha própria casa, e eventualmente era assunto na cidade inteira.
Daí passei de chorar as dores de minha mãe com ela agarrada a mim, no quarto, a vibrar quando ia embora jurando não suportar mais nenhum dia com ele. Eu preferia viver sem mãe a vê-la chorar assim, sabe? Mas isso só me fazia morrer de raiva quando ela voltava. E os dois sorriam e se abraçavam. Era a mesma coisa que justficava duas atitudes que me enojavam: o amor.
O amor maltratava sem explicações e o amor voltava sem vergonha.
O amor me enojava.
Bea chegou a me dizer, a insinuar, sabe, que eles não se amassem, que sequer se gostavam. Disse que talvez minha mãe só voltasse por mim e meu pai a tratasse mais como uma propriedade. Mas homens de posse não se arriscam a perder nada assim, de mãos beijadas. Já sempre que minha mãe partia, meu pai não lhe tirava razão, nem lhe impedia, nada. Apenas se ajoelhava aos seus pés, lhe pedia perdão, chorava. Todos os dias em que ela ficasse fora, ele chorava, sem tentar reavê-la ou substitui-la. Chorava e doía tão sinceramente que me machucava quase do mesmo tanto de quando ela fazia o mesmo, mas eu não chegava a desejar que voltasse. Não sei, mas a dor da mais fraca das mulheres, desde pequeno, sempre me atraiu mais que a do mais bravo homem fragilizado. Já quanto a mim, mamãe podia bem ter saudade, é verdade. Sei que me amava e queria me ver. Mas Bea não sabia quem ela abraçava primeiro quando voltava, nem quem ela punha no colo pra fazer dormir e velava o sono a noite inteira do dia em que chegava. Bea não via dois pares de olhos brilharem como aqueles.
A verdade é que um sem o outro era como ser inanimado. A vida soprava pra dentro deles quando se tocavam, ou simplesmente se sentavam lado a lado no jantar.
Bea não prestava atenção nesses detalhes, sabe, mas eu lhe mostrava. Eu lhe abria os olhos. Isso, porém, não fez minha desligada amiga se enojar do amor como eu esperava. Como eu, no fundo, queria. Simplesmente pra ter desse sentimento com alguém compartilhado. Convencida do amor, ela achou bonito...
Achou bonito meu pai querer de toda sua alma e de qualquer jeito atingir minha mãe, tirá-la do pedestal no qual ele mesmo a colocara e atirá-la para longe, para seus pés de reles mortal, doesse o que doesse. Achou bonito minha mãe ser capaz de perdoar e esquecer, e de ser inteira mesmo quando em milhões de pedaços. Simplesmente achou bonito que o amor fosse doído, que fosse voz alta e lágrima, que fosse imperfeito desse tanto.
Mas eu devia imaginar... Bea achou aquela borboleta de asas assimétricas a coisa mais linda desse mundo.
Felizes mesmo devem ser esses como minha companheira de caçar borboletas, satisfeitos com os deslizes encontrados na vida, por que, no final das contas, quem consegue evitá-los?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Em pedaços

Quanto de você fica com os outros?
No meu caso, quando muito, cicatrizes. (Quem dera ser especial o suficiente pra deixar coisa melhor). De resto, quase nada. Uma música que eu gostava, um perfume que eu usava, a cidade onde eu nasci, se aparece no jornal, coisas desse tipo que, na maior parte do tempo, simplesmente inexistem. Gosto delas e especialmente de quem fica com elas.
Mas se me quer mais inteira e viva, só cicatrizada.
Sobre as pessoas que carregam essas minhas estigmas, esses meus pedaços, prefiro não dizer nada. Se abri grandes feridas, não posso me fingir inocente, mas também não posso curá-las. Há tempo pra isso. Há tempo pra tudo nessa vida. Mas o mais precioso de todos eles é o de deitar fora. Há sempre o tempo de deitar fora, em que temos de abrir mão das cicatrizes que deixamos nos outros, por mais que seja a última coisa nossa que ainda viva neles. Hora de não termos mais nada vivo desse jeito em ninguém, nenhuma lembrança, nenhuma dor, nenhum pedaço. Muito menos o pedaço que, diferente dos outros, não precisa de prelúdio pra vir à tona, seu pedaço de alma, que em toda parte do tempo existe, isso quando não dói pra caralho. É difícil abrir mão disso, é o máximo que pessoas como eu podem deixar com os outros, e você acaba querendo isso, vivendo disso. Por mais que cicatriz pareça que foi dos outros arrancado, foi de você. Se olha e se vê você, o que você fez e o que você foi, e mais ninguém. Não é uma música conhecida, um perfume que todo mundo usa, uma cidade de milhões. É unica e profundamente você. Seu. Mais do que isso, é seu no que é dos outros.
Pode ser meio medo da morte, medo de ser esquecido antes do tempo, no tempo certo, medo de que quem teve sua alma não tenha mais nada, mas é necessário.
Você só pode ser inteiro de novo se abrir mão do que deixou aos pedaços. Parece óbvio, né? Mas por que tanta gente não repara?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Eu quero que vá embora com você,

O seu sorriso mais bonito.
Que ainda te vejo rindo.
Meio debochado, meio envergonhado.
Uma alma inteira, intensa, num só sorriso.
Lindo.

O seu jeito de menino.
Que fecho os olhos e ainda assisto.
Aquele teatro sincero de quem tenta tanto ser homem o tempo todo.
E mal sabe que encanto é de menino.

E a sua voz a me provocar.
Maldita...
Me faz adormecer e me atormenta os sonhos, todos os dias.

Por que não me avisaram que isso ficaria?
Se eu soubesse disso eu juro, eu juro que nunca eu ia te tirar da minha vida.



' acabou o amor
vai começar a guerra '

domingo, 2 de maio de 2010

Marinheiro

aA
Cheguei por muito tempo caminhando em passos falsos. E isso acabou por fazer de todas as minhas chegadas, partidas.
Se eu disser que não percebia isso acontecendo é mentira minha.
Partir sempre dói.
Claro que eu percebia.
Acontece que o que podia fazer eu a não ser partir de novo?
Prático, Partia.
E assim fui a todos os lugares que julgava possíveis.
Mas isso nunca me desfez a necessidade de chegar.
Foram todos os portos... Portas.
E nada.

Até ela.

dA
Do instante em que ela apareceu ao instante em que desapareceu pra não mais voltar, eu soube que era nela que eu queria chegar, esse tempo todo.
Foi tudo tão claro!
Sei que ela ficou tempo insignificante perto de toda a minha vida.
E que nem ficou por toda ela, como deveria ser.
Mas, sei lá.
Também sei que - e quem - era ela.
Que gravou em mim um estrago, uma coisa assim, que justificaria tudo, daria sentido ao mundo, por menos tempo que ficasse.
Veio-me como um raio em dia de sol. Inesperada e de uma intensidade assustadora, anunciando um derramar de águas sem fim, depois de sua partida.
E partiu.
Talvez eu não tivesse satisfeito a sua necessidade em chegar.
Ou não estivesse acostumado com mulheres como eu, que nunca param em nenhum lugar.
Sei que não guardo uma recordação boa dela, não. Nenhuma sequer.
Ela não me permitiu, não se permitindo se entregar.
Mas isso não me impede de amá-la, brutalmente.
E eu nunca vou deixar de amar.
O rosto distorcido na memória, a cada dia que passa. As mãos que perderam as dimensões de um corpo que percorri tão bem.
Tudo isso e nada deixam-na sempre mais nítida e mais bonita em mim.
Porque é.
Minha chegada. Minha última parada.

E meu fim.




sábado, 27 de março de 2010

Já me falaram tanta coisa sobre amor, amor.
Que nem sei o que é meu e o que eu ouvi.
Eu sei que dói.
E sei que ouvi.
E vi.
Vivi.

Sei também, e me falaram, que a pior dor de amor é aquela de não ser correspondido.
Ou ainda, a de perder alguém.
Mas eu não acho, amor. Não concordo, não.
A pior dor de amor, pra mim, é ele ser amor.
Quando é amor não tem distância, não tem idade, não tem culpa, não tem rotina, não tem sexo, não tem segredo. Não tem nada que justifique estar separado.

E me dói tanto porque eu vivo de desculpas, amor. Eu vivo separada.

Muita gente, talvez.

Metaforizamos tudo, deixamos bonito, alimentamos o ego, deixamos a separação poética e achamos que é amor. Amor demais, ainda por cima, que supera o tempo e a saudade. É amor nada, amor.

Por amor não se separa.
Se espera.
- junto.

Não adianta.
É gente que não quer ver que acabou.
Gente que não quer ver que começou outra coisa.
Gente que não quer ver que nem sequer existiu nada.

Gente como eu.

Mas é que até hoje eu tenho medo de você, amor.
Com esses olhinhos a me olhar como se vissem as pirâmides, sei lá.

Me assusta.
Me engole.
Mas não, amor.

Nunca tire esses olhinhos de cima de mim.
Essa gula deles é o que me alimenta.
Posso dar a desculpa que for.
E dou.

E dor.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Desabafo

Eu tinha que comprar um relógio sem ser esse com ponteirinhos em tamanho econômico; um squeeze, que eu sei lá como se escreve, que, aliás, descobri que se chamava assim ontem, na academia; ir na academia; tirar a segunda via da minha identidade (ou simplesmente procurá-la); marcar consulta no oftalmologista; tirar raio-X do pulmão, em decorrência de uma tosse que não para faz semanas, e me deixa embaraçada em todo lugar público que requer um pouquinho a mais de silêncio; mandar alguns e-mails inadiáveis, do tanto que já foram adiados; desmarcar manicure; pegar os convites da formatura de sábado; comprar ingressos adiantados pro cinema; assistir às aulas de ballet da minha sobrinha; por gasolina no carro da minha irmã. E a única coisa em que eu consigo pensar é: puta que pariu, como eu queria que você me acompanhasse, de vez em quando. Mesmo que fosse só pra acompanhar o ritmo do que eu tô sentindo.

Especialmente o que eu tô sentindo.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sobreamor

Relacionamentos são duros pra quem ainda acha que eles são um jogo aberto.
Pra quem acha que não existe tramóia, traição, drama, mentira e omissão.
Pois adivinhem, só: existe.
E nem por isso deixa de existir amor.
Amor não é um sentimento.
E amor também não é antônimo de nada.
Amor nada exclui.
Sabe, aprendi muitas coisas com você. Mais do que eu queria, confesso.
Mas talvez exatamente as que eu precisava.
- ou talvez eu só goste de pensar assim.
Fato é que a mais útil e verdadeira delas foi essa.
Me dói essa.
A de que o amor é sujo.
Você tem que saber que ao entrar nele vai se lambuzar, seja a primeira vez, seja a milésima.
Amor também não se faz em ditados.
Não se faz em pedaços.
Não se faz em um dia.
Você aprende a jogar com o tempo.
Aprende que não se ama sem os pés no chão.
Que amor nenhum te sustenta nas alturas, todo mês, por mais que ele possa te levar até lá a qualquer hora.
Amor talvez seja a coisa mais humana e mais divina que exista, e justamente por isso a mais complicada. Porque constantemente nos esquecemos dessa sua metade sangue, suor e gente.
Dessa sua metade falha.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Submissão.

Não me importam seus erros.
Seus atos falhos, suas pisadas em falso.
Sua grosseira forma de sair de si.
E entrar em mim.
E me invadir.
E me dilacerar.

Amor não é um sentimento. É uma decisão.
E eu decidi te amar.
E eu vou até o fim.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Covinhas de Cecília

Porque as covinhas dela eram inerentes ao sorriso mais bonito do mundo. Ou ao esboço dele. Ou mesmo à expressão alguma. De ambos os lados, sempre. Perfeitas. Duas fendas sem fundo que me sugavam pra dentro dela, profunda. Eu me perdia nelas pra me encontrar em mim. Por isso a amava. Por suas covinhas. Cecília.
Tinha os curtos cabelos da cor do mel. Os olhos também. Diziam por aí que às vezes ficavam da cor do mar, quando naquele turbulento e misterioso verde-escuro. Mas a única onda que eu via nela era a que os cabelos faziam. Ah! E no jeito... Cecília conseguia ser ao mesmo tempo que doce como esse mel, tempestuosa como esse mar, Mas, não era pelos cabelos ondulados, pelos cílios curvados e abundantes ou pelo gênio paradoxal que só ela tinha, pelo que eu me derretia. Era pelas covinhas.
E olha que era dela o único gênio ao qual eu me submetia sem reclamar. Sem nem perceber... Lembro-me muito bem de como ostentava aquela postura de rainha, de superioridade contida e controlada, porém presente – e tão visível. Não era, porém, a realeza ceciliana que me domava. Eram as covinhas...
Nunca consegui imaginar Cecília sem elas. Não sei se hoje eu consigo. Não dou muita brecha a esse tipo de pensamento. Já dei por uma vida inteira! Mas abençoado seria, porém, se já o conseguisse. Ou se, pelo menos antes, imaginasse, sendo desse amor, por conseguinte, há muito tempo poupado.
Não digo que não valeu a pena esse meu amor por Cecília. Ela me mudou. Era a parte que destoava do todo. A parte do todo que o todo todo queria e eu tinha. Ou na verdade, nunca tive.
Sei não. Hoje eu criei uma classe de mulheres na qual Cecília se encaixaria. Mulheres de ninguém. Mulheres que fisicamente podem ser de todo mundo, mas que sem ninguém já são completas. Como se não te precisassem. Como se nascessem com uma espécie de auto-alma-gêmea. Cecília nascera com isso. Assim como nascera com as covinhas. E assim como eu não conseguia imagina-la sem elas, não conseguia pensar nela comigo, sem essa independência doída de mim. Por isso foi com grande surpresa (e contido prazer) com que a vi, dez anos depois, na casa de minha irmã Estela, vulnerável.
O dia não estava normal àquela manhã.
- Cica está em casa.
Estela só conhecia uma Cica. Às vezes Ciça. Até mesmo Ceci. Mas, independente de como a chamassem, todas eram a:
- Minha Cecília?
- Em carne, osso e selvageria.

*
Até então não sabia se viva ou morta. Casada ou solteira. Cecília ou normal. Assustou-me perceber que, na minha cabeça, a menina de 15 anos que me atormentara por uma vida inteira ainda era – e reinava absoluta – viva, solteira e Cecília, para meu desespero.
- Cica?
- Oh, meu Deus, Mário! Que saudade de você, moço! – disse ao se aninhar sob meus braços abertos num abraço de oi. Nunca tinha me esquecido de como ela se encaixava direitinho ali. Muito menos da sensação de proteção e posse que me invadia quando assim o fazia. – Já nem é mais um moleque!
Nunca fui um moleque com você, Cecília! Você despertava em mim a necessidade de ser homem, de mostrar pra todo mundo que eu era bom o suficiente pra você, menina que podia ter quem quisesse e escolhia a mim, um homem. Mas com aquele comentário, infeliz ou não, consciente ou não, foi que passou pela minha cabeça, pela primeira vez, que talvez eu tentasse em vão.
Não quero que pensem que superestimo uma paixão adolescente. Não digo que Cecília era a moça mais bonita que eu já tinha visto. Nem mesmo a mais inteligente ou engraçada. Mas ela era fada. Meio bruxa às vezes, confesso. Não morríamos de amores por ela, sabe... Mas sentíamos uma necessidade vital - e como tudo que é vital, brutal - dela. Eu ainda acho que eram as covinhas... Ainda acho que Alice tenha se perdido numa espécie delas enquanto percorria seu coelho.
Estava mais velha. Com os cabelos compridos de um jeito que eu nunca tinha visto. De vestido branco e curto.Então, logo quando se desvencilhou do abraço e sorriu, eu pude vê-las. As mesmas. Inconfundíveis. Logo me convidaram a me perder por elas. E, naquele momento, eu fui, sorrindo sem piscar. E fui mais feliz do que podia imaginar.
Cecília estava de volta.
Agora eu podia vo(lt)ar.