quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

doismiledez

Cada ano que passa eu vou fazendo menos resoluções de ano novo.
Não pretendo parar nenhum dos meus vícios.
Não pretendo me matar pra engordar - embora deveria.
Não prometo ligar mais vezes pros meus avós.
Nem acho que vá criar coragem e cortar o cabelo.
O que vier, na hora em que vier, eu abraço e um abraço.
Já me surpreendi muito comigo mesma pra saber, de verdade, se vou seguir algum script no ano que vem.
Sim... Eu sei que há pessoas felizes seguindo os delas - mesmo que não tenham surgido no ano novo.
Antes eu achava impossível, mas há, sim, felicidade no vulgar.
Tem gente que não precisa saltar de pára-quedas, quebrar regras, mochilar pelo mundo, não ter filhos, pra ser diferente e aí então feliz.
Tem gente que só precisa seguir o script.
Estuda, trabalha, casa, tem filhos e morre.
Em júbilo.
Não sei bem em que tipo de pessoa eu me encaixo, nem se pessoas se encaixam em tipos.
Sei que, no mínimo, não faço mais resoluções de ano novo.
Deixa logo o tempo me ensinar o que eu tenho que resolver durante seu, por vezes penoso, por vezes gozo, suspiro de vida.

Feliz vida nova aos que nascem de novo.
E boa sorte aos que se jogam sem scripts nesse mundo - e também aos corajosos que os seguem sem pudor nenhum.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Bobagem... pra ver se cura o hiato criativo.

I.
Há aqueles que tem muralhas.
Há aqueles que tem mistérios.

E há eu.
Saramago se esqueceu de mim.

domingo, 25 de outubro de 2009

Do meu sangue

Me apertou uma saudade tão grande de uma das minhas irmãs que me doeu duro mesmo. Encontrei-a numa das fotos das que eu tenho jogadas aqui, em todo lugar, por não ter arrumado onde colocar e ficar mudando de gaveta pra estante, pro espaço em que eu não vá usar, toda hora.
Linda. Olhando pra câmera com um sorriso sem dentes, de sobrancelha e bochechas levantadas.
Pra quem tem três irmãs, falar só de uma ou mais de uma sempre provoca ciúme. Ou suscita dúvidas – e certezas - de quem é a preferida. Não tenho preferida. Cada uma simplesmente é o que é na minha vida. E numa combinação milimétrica e perfeitamente desenhada.
Me são como ar, luz e calor. Uma me desafoga, me faz respirar quando eu tenho aquela sensação de não estar conseguindo, tipo aquele choro que a gente tem e não consegue parar nem pra falar, nem pra puxar o ar pra dentro, me salva. Outra me guia sem que eu peça, me liga do nada pra me mostrar o caminho, e me dá a mão para seguir comigo, mesmo que quietinha. E outra, ainda, me protege, me esquenta, me acolhe, me é como um abraço de Deus.
E ao mesmo tempo todas revezam de papel sempre que eu preciso – e precisar.
Mas é que essa da foto tem uma coisa que é uma coisa que mexe comigo.
Porque é uma coisa que é de mim e que sou eu.
Sinto que posso sentir todas as dores dela por mais que não sejam as mesmas que as minhas. Embora eu saiba que um dia já foram e que hoje, talvez, nem tenha havido nenhuma.
Eu sinto. Mesmo assim.
Eu sinto a minha irmã.
E é por isso que praticamente só dela eu já escrevi nessa vida.
Ei sinto que ela tem essa necessidade de que eu escreva por ela.
Porque simplesmente ela me olha nessa foto com os meus olhos, os meus anseios e as minhas tristezas.
E eu acho que é preciso descrevê-los. E ser assim, há quilômetros de(o) chão, se não o ar que lhe desafoga, a luz que lhe guia ou o calor que lhe abraça, a letra que lhe falta.
O que ela não escreve.
O que eu não falo.
E o que o amor não faz nem uma coisa, nem outra
só origina e esquece.
Deixa de lado.
Deixa pra gente.

sábado, 17 de outubro de 2009

Aconteceu

Ela tinha os lábios e as unhas pintados de vermelho. A música alta. O vestido recém-tirado do corpo, estirado na cama.
Lavou o rosto sem tirar a maquiagem. Soltou o cabelo. Apoiou as mãos na pia e, sem se secar, teve o rosto mais molhado ainda pelas lágrimas que insistiam em rolar por mais que as tentasse manter sob controle.
Evitou o espelho.
Decidiu se evitar por muito mais tempo.

Não se reconheceu mais.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Nostalgia

Não vou escrever bonito. Nem pouco.
E vou falar abertamente sobre mim, dessa vez.
Abertamente porque todo mundo acha que eu sempre falo indiretamente de mim por aqui.
Só que nem sempre é assim.
Isso aqui é um resultado da minha vivência. Não um retrato dela.
Mas dessa vez eu falo. Aberta ou indiretamente, sou eu.
Só por simples precisar.
Por mim.

Tava parindo uma matéria e um artigo, quando resolvi tentar entender por que meu orkut não some de uma vez, depois de três tentativas - e pedidos - de exclusão. Mexe vai mexe vem - e que construção horrorosa - não descobri. Mas redescobri meus scraps antigos, bem como eu mesma. Fui olhar os primeiros, acabei me afogando em todos eles, não consegui sair pra dar um respiradinha sequer.

Quantas pessoas passaram na minha vida desde 13 de fevereiro de 2005! E como minha relação com elas - todas, sem exceção - mudou. Às vezes, e muitas por sinal, sequer resistiu ao tempo.

A primeira pessoa a me deixar um scrap foi uma amiga. Das melhores até hoje. Atualmente ela mora em São Paulo. Já errei feio com ela - e hoje vemos quão sem importância foi o que parecia substancial -, ela já tomou minhas maiores dores, já chegamos a uma fase da vida em que não tinha uma coisa que não sabíamos uma da outra e hoje faz meses que não trocamos uma palavra, mesmo morando na mesma loucura.

Aliás, me lembro de que quando eu fiz o orkut, eu estava no consultório dos pais de uma outra amiga minha. Estávamos em três e nós, em vez de trabalho, resolvemos fazer um orkut. Essas duas que estavam comigo mais a que me deixou o primeiro scrap constituiam tudo que eu acreditava ser meu maior elo de amizade, até então. E eram.
E, pasmei, senhores... ainda são. Mesmo que eu tenha cortado fora uma delas.

Não falo com ela há quase dois anos - e se antes não me permitia sentir falta dela, hoje nem me esforço para tanto -. E a outra, minha alma gêmea, senhora de todos os meus segredos, e dona de milhares de scraps gigantescos que eu recebi durante anos, foi pra Ribeirão e me largou em Campo Grande. Voltou pra Campo Grande quando eu vim pra São Paulo. Nunca mais moramos juntas.

A vida andou pra todas. Mas eu ainda sei que são e sempre serão elas. Os scraps diminuiram com o tempo, os assuntos ficaram mais superficiais sem o contato diário. Nos perdemos, mas não nos separamos. Resistimos. Por amor. Por afeto. Por amizade de verdade. Por sermos parte que pulsa uma na outra, não apenas a que passou, como a maioria delas.

Outros sobreviveram, claro. Mais no coração que no dia-a-dia.
Não vejo mais, não sei onde estão, não converso pelo msn, mas os sei ali. Dentro de mim, pra sempre.

A única irmã com orkut virou melhor amiga. Os scraps aumentaram. Junto com a saudade e o carinho.

Pessoas que só apareciam pra me falar de futebol, jogos, derrotas memoráveis, piadas... Eu era extremamente fanática - e chata. Hoje mudei. Essas pessoas sumiram.

E outras ainda sumiram justamente por eu não ter mudado em determinada coisa...

A que me falava "não vejo a hora de acabar o feriado pra eu te ver!". Mal sabe onde eu estou, agora. Mais do que um feriadinho prolongado em que ela não aguentava sem mim, não me vê há anos. E nem se importa com isso.
Quem dizia, com vergonha, bonitinho, sem intimidade nenhuma, que eu tinha um sorriso lindo, já me disse, sem vergonha, sem medo, sem amor, sem nada, coisas horríveis com o passar do tempo. Pessoalmente. Porque são difíceis coisas horríveis no mundo rosa do orkut.

E o que mais me dói é justamente isso. Mais do que os laços desfeitos com meio mundo, pessoas inteiras, são as palavras difíceis que surgiram fora dele. O futuro do que se desenhava naqueles scraps. A inocência que aparecia ali, de querer-se alguma coisa sem saber de nada do futuro, sem pensar em nada do passado... Morreu, coitada. Matada. Agora que vemos o que deu daquilo.

Coitados de nós que a matamos.
Mas impotentes nós que apenas deixamos o tempo passar.

Li com tanto pesar aquela inocência toda, sendo espremida até a morte scrap por scrap. Ah, se soubéssemos que ia dar nisso...
- não acreditaríamos.

E pessoas se foram.
Uma delas de verdade. Uma que nunca mais vai me deixar scraps que eu nem respondia, nem ligava... Que arrependimento inútil por não ter feito isso. Coisa tão simples.
Outras vieram. Outras estão. Outras nunca saíram e talvez sairão.

Fato é que eu li uma vida inteira ali.
Não me lembrava de muita gente, não me lembrava de muitos fatos, não me lembrava de mim.

Só sei que pessoas vem e pessoas vão. E vão te trair. E você vai trai-las. A inocência de não saber o que vai acontecer morre quando você descobre o que acontece. Acaba o encanto. Acaba tudo. Tudo muda. E tanta coisa. E tanta gente, E tanto tempo.

E eu só sei que queria saber, no fim de tudo isso, onde estão essas pessoas todas? Esses sentimentos? Ou mais crucial e urgente pra mim, hoje, como se recupera essas coisas todas que o tempo engoliu... Recupera?

sábado, 5 de setembro de 2009

Running in circles, chasing tails, coming back as we are...

A inocência sempre se perde. A realidade é suja, é lasciva. É aquela putinha da esquina por quem tu passas e pensas que não vale nada, e ergues o rosto, e lavas as mãos, e desvias a cara, e fazes graça, e sabes-se uma versão humana melhorada. És?

Te dê tempo. Por ti também escorre lama. Te olha no espelho, e perceba que animalesco. É uma grossura, um desassossego. Erras. E tu nunca voltas ao que era, nem ao que poderia ter sido.

Não é justo; pelo contrário, é humano.

No fundo somos tudo um bando de bosta. Que se julga e se condena, e se acha no direito.

Ah, inocência. Uma vez rompida, és todas as outras corrompido.

Não adianta.
Não te lavam. Não te limpam. Não te desinfetam, nunca.

Ninguém é bom moço a vida inteira, menino.
Não espero isso.
Ou desejo.

Só não te acostumes com os colos e com as lágrimas.
Não vão passar a mão na tua cabeça pra sempre.

A inocência te perde.
E enquanto dependeres da caridade dos outros, jazerás, perdido.

sábado, 22 de agosto de 2009

Pepê e seu jeito estranho de fazer as coisas

Parte 3

Mais estranho ainda do que seu jeito de fazer as coisas, era o seu jeito de pensar as coisas. Uma vez, Pepê entrou no chuveiro de óculos. Foi tomar banho e se esqueceu de tirá-los, como se aquilo fosse uma extensão do seu corpo. E não era?

O dia estava frio. A água estava quente. As lentes logo começaram a embaçar e ele passou a ver tudo branco e esfumaçado. Sequer pensou nos óculos. Usava óculos? Só lembrava se alguém reparasse ou se usasse o espelho. Coisas, que por sinal, não gostava muito. Nenhum motivo especial, entretanto.

Já começou a pensar que estava tudo se acabando. Pronto. Era o fim. E era assim que ele vinha. Como a cegueira de Saramago, o apocalipse, enfim. Toda sua vida se extinguindo num banho, numa terça-feira de Hairspray na televisão, levada por um mar de espuma branca pelo ralo.

Até que começou a sentir o suor onde descansava a armação, e percebeu do que se tratava. Tirou os óculos. E o mundo desfocado e quase indistinguível fez sentido, pela primeira vez na vida.


Leia a Parte 1 aqui

E a Parte 2 acolá

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Aniversário e Nostalgia



Bons tempos.
Uma bela idade.
Pra uísque.

Tô bem assim.

:)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Passeio de carro

Deitei no banco de trás do carro.
Passei a ver tudo da metade pra cima.
Brinquei de tentar adivinhar a rua em que estávamos.
Em todo sinal vermelho, chutei uma.
Às vezes, levantava a cabeça pra me certificar se tinha acertado.
Às vezes, nada.
Pensei em te fazer um café-da-manhã amanhã cedo.
Pensei em te comprar um livro.
Pensei em te pedir, do nada, um dia próximo:

“Tenha olhos só pra mim e pra mim apenas, agora?
Diz que eu sou a mulher mais
bonita que você já viu na vida?
Mesmo que seja mentira...”

Mas pedido assim não tem graça...
Pensando bem...
Nem se for mentira.
Eu sou chata e sou ciumenta.
Eu sei.
Não sou incrível.
Mas, às vezes, queria que você me visse assim.
Só isso.

Ai,ai... As coisas ficam tão bonitas quando a metade é feita de céu.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Watergate

Lembrei-me de quando você me perguntou, espantada, se eu não achava seu casaco bonito, por conta de alguma coisa que eu falei, provavelmente pra te irritar. Ou de uma careta que eu fiz quando te vi com ele. Não me lembro bem.
Eu ri da sua carinha. E do seu olhar tímido e inseguro, que ia do casaco a mim, na porta da sua casa, antes de sair.
A gente ia não sei onde. Provavelmente nem tinha lugar pra ir. Provavelmente ia andar pela cidade e parar naquele restaurante chinês de esquina, a hora que fosse.
Nosso namoro era uma rotina. Não me venha reclamar. Não acho isso ruim. Digamos que trabalhar em você era acordar feliz às segundas.
Você gostaria dessa frase. E certamente só você.
Mas naquele dia do seu casaco, eu ri. Com muito mais ternura que o normal.
Te abracei, sentindo um carinho imenso e uma vontade de te proteger do mundo. E te beijei a testa, que ficava exatamente à altura da minha boca.
E foi ali que eu percebi que não te queria mais.
Não foi num click. Foi dolorido.
Doído, doido, devagar.
Ma s eu não tentei me negar aquilo. Àquela altura da vida, já havia aprendido a respeitar meus sentimentos como homem grande. A gente tem que respeitar esses adversários, senão eles vêem e esfaqueiam pelas costas mesmo, quando menos se espera.
Te olhei nos olhos. Aqueles olhos de jabuticaba graúda que eu não cansava de devorar. E vi saltar a água deles. E te vi chorar. Você, tão sensível, tão devotada a mim, percebera sem que eu precisasse falar qualquer coisa.
E por isso eu sou grato a você até hoje – e o serei para sempre. Porque por em palavras essa crueldade seria a pior coisa da minha vida.
Mal sabia eu que pior ainda seria presenciar esse amor ausentado. A gente costuma achar que as coisas só ficam mais reais quando ditas em voz alta – e por isso hesita tanto em dizer – mas isso dura só até o dia - ou minuto - seguinte. Quando acorda, a gente vê que não precisa falar nada. Simplesmente é. Em tudo que se vê, pega, sente, come. Em tudo que se é.
Engraçado como hoje eu me lembro desse dia como o dia em que você me perguntou se seu casaco era bonito, não como o dia em que eu deixei de te amar.
Deixei?
Ah, menina...
Seu casaco era tão bonito.

sábado, 16 de maio de 2009

Amor?

Não sei.
É meio paranóico.
Parece uma coisa para enlouquecer a gente devagar.

[Caio F. Abreu.]

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Atrás da porta

As malas estavam na porta da sala.
Ela, no sofá.
Ele, no quarto.

Podia ser um daqueles dias em que ela queria assistir TV até mais tarde e acabava dormindo na sala mesmo, enquanto ele, sistématico que só, apagava as luzes sempre no mesmo horário. E levantava de madrugada, a levava de volta para o quarto, pro seu lado da cama não ficar vazio a noite inteira, pra ele dormir sentindo a presença dela.
Não era.
As malas estavam na porta da sala.

O que mais doía era aquilo não fazer sentido. Algum.

Às vezes, o homem se priva da verdade pra não viver na incerteza. E era exatamente o que tinha acontecido ali. Pra que tentar acreditar nela se era mais fácil acreditar nele? E no que ele temia que acontecesse todos os dias? Pra que continuar esperando acontecer? Melhor achar que aconteceu logo e pronto. Acabam-se as dúvidas e acabam-se as inseguranças. Pra que se esforçar (mais) por ela?

Horas de discussão. E ofensas. E lágrimas. E copos de água. E louça quebrada. E o que sobrara eram as malas na porta da sala.

É. Viver na incerteza e no medo de que o pior aconteça é pior do que quando o pior acontece. Por isso muitas vezes, o homem se agarra ao pior, mesmo que ele nunca tenha se consumado. Pelo fato de ser uma dor conhecida e uma dor suportável.
E era no que tinha se agarrado o homem dela.

Porque a incerteza dói.
E viver na incerteza é insustentável.

Mas o que mais doía era aquilo não fazer justiça. Alguma.

O que mais dóía e enchia o olho de água.
E enchia o coração de mágoa.
E ardia, ardia, sem pressa.
Eram as malas...
As malas atrás da porta.

sábado, 9 de maio de 2009

"Parei de te amar
Às 23h44min do dia 9
Do céu sem luz
E as ruas nuas de Barretos."

9 de janeiro de 2008
A lápis e letra de forma
No verso de "Amor nos tempos do cólera"
Movida à cólera.
Irônico, não?

Queria que essa exatidão fosse sincera.

Queria poder dizer assim tão exatamente quando foi que você mudou.
Ou onde. Ou porquê.
Só posso dizer onde ou quando eu percebi.
E que acho ter alguma coisa a ver com isso.

Todo mundo tem alguma coisa a ver com o que o outro se torna.
Uns mais. Outros menos.
Eu, no seu caso, tudo.

O seu descontrole.
A sua desnatureza.
Sua rudeza fora de equílíbrio.
- O seu desequilíbrio.
A imaturidade escancarada nas frases.
A insegurança. A cabeça-dura. O ciúme.
Tudo.
E nada.

Nada disso é o que me irrita e o que me machuca.
Sou eu.

Eu, por ter gerado isso, dia após dia.
Por ter parido isso.
Por ter concebido você.
Assim.
Pior.

Sabe, é duro quando vem um caminhão e destrói tudo que a gente é.
Mas mais duro ainda é ser esse caminhão. É destruir nós mesmos e, com o que somos, o que os outros eram. O que os outros tão brilhantemente eram.

Às vezes é por inveja.
Por ciúme ou por ambição.
Na pior delas, por amor.

Ou pela negligência com que tratamos ele.
Nunca podemos nos esquecer de que nada, nem o amor, muito menos o amor, é auto-suficiente.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Velhos primeiros passos

Não tenho destinatário pras minhas cartas.
Nem pontos de apoio, cais, nortes.
Nada.

Ninguém e nada.

Não enquanto eu os fizer de muleta.


Tá na hora de aprender a andar com pernas próprias.
Não importa quantos tombos sejam necessários.
Quantos machucados não sejam cuidados.

sábado, 25 de abril de 2009

Cá entre nós

Me cansei das metáforas. Das entrelinhas. Das indiretas.
Mas ao mesmo tempo sou apaixonada por elas.
Com elas crio um mistério que, muitas vezes, é mais claro que água.
Mesmo assim enigmático o suficiente pra soar gostoso.
E fico pensando em quem entendeu.
Se entendeu.
E sou mais livre.
Que pareço poder falar o que quiser que elas me protegem.
São grades que não deixam os outros entrarem.
São grades que me libertam.

Que ao mesmo tempo me viciam e me limitam.
Até quando vou precisar delas?

quinta-feira, 23 de abril de 2009

'Quod me nitrit me destruit'

Quem sabe se eu deixar isso aqui às moscas...
Eu não sei muita coisa sobre moscas.
Mas sei que elas não escrevem.
E, por incrível que pareça, o meu grande mal tem sido esse.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Condicional

É uma falta de ar. Uma falta de coragem.
E quando a coragem semeada começa a dar frutos, é alguma coisa desanimadora o suficiente, alguma coisa que mostra que nada adianta, que vai ser tudo sempre igual, pra podá-la antes do tempo.
É uma falta de ar. Uma poda de coragem.
Eu sei que você não gosta que eu escreva, ainda mais sobre você. Ou melhor, sobre o que eu (não) faço pra você. Que acha tudo só tinta num pedaço de papel. Sabe, eu não gosto também. Não é por gosto meu que exponho fraquezas, que exponho você. Nunca quis ser tão mulherzinha pra escrever, na vida. Eu que nunca fui mulherzinha na vida...
Nunca dividi dor.
Nunca expus o que me afeta ao vivo e em cores.
Tinha que vazar por algum lugar.
Mas eu sei que isso vai ter de parar. Quem sabe se eu aprender a equilibrar vida e papel, escreva só sobre coisas difíceis e que valham a pena ser escutadas, e seja uma mulherzinha de verdade fora daqui. Com dores e medos e receios e amores de carne e osso.
É um formigamento.
É um sono parcelado, cortado a cada sonho de separação.
É uma saudade. Saudade de acordar sabendo-se bem, sabendo-se junto. Sabendo-se bem por estar junto.
É um misto de vontade de ceder com raiva. Mas uma raiva incontrolável em achar que está fazendo de novo. Começando, já, aquilo que a gente faz quando tudo parece dar errado: erra de novo.
Sempre há falhas de algum lado, e sempre há alguém pra continuá-las. Falhas vingadas... Erros continuados. Isso é outra coisa que vai ter de parar.
Se minhas promessas são de tinta e papel, que sirvam de prova pra me condenar, no futuro. Não me importa.
Quero ver você precisar delas!
Quero ver eu me sentar no banco dos réus, de novo.
Nunca mais.
É uma falta de ar. Uma falta de coragem
É uma falta do ar.
Uma falta de você..

Que me põe em condicional.


"Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria
te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não
querer parar de remar também.”
[Caio Fernando Abreu]

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Meu vô, por meu pai.


Minha vó, por mim:
Minha vó não ia a festas. Mas ia a todos os funerais. Ela não era um ser humano normal. Mas eu gosto de pensar que era um ser humano demais.
Ela tinha um sabor assim agridoce. A doçura das avós e o amargo dos anos. Já eu, que só tinha a inexperiência insossa da falta deles, nunca consegui aceitar essa amargura, aparentemente, comigo. O que me fez cometer um rio de injustiças com ela.

Suas mãos eram todas pintadinhas. Os lábios também, em toda visita. Mas eu não fiz muitas visitas a ela na vida... E isso é o que mais me dói nisso tudo. Essa mania preguiçosa de adiar tudo e não entender nada.

Sua comida era simples: tudo junto e misturado.

Mas minha vó era um pouco assim. Todos os anos da sua vida, todos os ressentimentos, todos os acontecimentos e sentimentos, todo passado, presente, futuro. Um tudo numa coisa só. Numa coisinha, por sinal.
Nunca tinha reparado em como ela era pequena como no único dia em que a visitei no hospital.
A segunda coisa mais frágil que eu já toquei na minha vida.
O que mais me chamou a atenção foi a primeira delas. A fragilidade do meu avô perante a fragilidade dela. A despeito da neta que tem, meu vô é um homem grande. E forte. Demais. Nunca o tinha visto fraquejar. Nunca o tinha visto chorar nem falar palavrão. Vi tudo junto e misturado quando o junto e misturado que o matinha em pé, se foi.

Ela era o leme.
Ela era a força.
E ser o leme e ser a força não só sua, mas também de alguém, ainda mais alguém que parece ter o dobro da sua força, e apesar de toda amargura da vida, de conhecida a pior dor do mundo, que é a de perder uma filha, não é pra qualquer um.
Hoje, a gente precisa de todo mundo de casa pra fazer o que ela fazia em um segundo. E não dá conta! Hoje a gente não é um terço do que mantinha o velho em pé. A gente não é um terço do que era ela.

As perguntas de sempre sobre onde eu pintava o cabelo, as reclamações de que eu não ligava, os saltos fazendo barulho pelo corredor, as chipas cuja receita nunca foi revelada, a missa, os óculos, as jóias, as histórias, tudo me falta. Tudo me lembra ela. E com o tempo acho que piora. A ausência se faz mais presente, em todo lugar.

Mas se eu puxei um pouquinho da fortaleza e da paciência dela, vai dar pra aguentar. Vai dar pra aguentar muita coisa. E é nisso que eu prefiro pensar, agora.

Ela morreu sabendo que era forte e bonita.

E, hoje, eu posso viver sabendo que, realmente, era.

sábado, 11 de abril de 2009

Purgatório

Não (te) escrevo mais.

Nunca achei que fosse dizer isso. Mas não tem coisa que eu mais queira dizer, hoje.
Sabe, eu nunca fui ingênua o bastante pra achar que o que eu escrevo não traria problemas. Ou que todos fossem achar visceral e verdadeiro. Mas é que, quando eu escrevo para alguém, para um alguém, diretamente alguém, eu fico ingênua desse jeito.

É assim:
Eu tô no mundo. Como todo mundo.
Eu visto preto e você veste rosa.
Quando escrevo, visto preto, visto verde e, às vezes, visto nada. Não me importa.
Quando escrevo para você, visto rosa. Necessariamente rosa.

(Tenho que parar com as metáforas.
"Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora." - Milan Kundera).

Escrevo palavras bonitas. Daquelas que se gosta e quer ouvir. E mesmo que não sejam as esperadas, soam como palavras bonitas porque são dignas de compaixão. Vocês me perdoariam se lessem! Mas quem lê, não perdoa. Nem deixa passar.

Diz que se visto preto, verde ou nada, sou de verdade, já que não tento agradar ninguém.
Mas se visto rosa, sou falsa.
Acontece que eu não posso compactuar com isso! Não quero me justificar, nem me explicar... Enfim, não quero escrever.
Mas precisava deixar claro que não tem nada mais sincero do que me sentar e escrever pra você. Se soa bonito demais, fantasioso, hipócrita, enfim, é que me dói machucá-lo. É que me confundem as letras. É que me perco no bosque (no bosque que eu nunca entendi, por sinal).

Sei que o inferno está cheio das boas intenções.
E é pra lá que eu vou.

terça-feira, 31 de março de 2009

De ressaca

Entrou em casa e apagou o cigarro. Parou três vezes antes de ir para o quarto.
E em todas as paradas pensou na mesma coisa.
Tem pensamentos que nos são e serão recorrentes a vida toda.
Dentre eles, o clássico "Por que eu não falei isso?"
Horas de conversas difíceis de acontecer e era quase sempre o que sobrava.
Nos preparamos tanto para falar.
A coragem que não temos é o ar que respiramos.
E buscamos e encontramos e expiramos e inspiramos.
Até que, ébrios, falamos. Finalmente conseguimos falar.
Mas tal como uma bebedeira, sai tudo apressado, enrolado, errado, nunca como ensaiamos.
Daí vem, sóbrios, a dor de cabeça. Por que não falei isso? Por que falei? Por que falhei?
Era o que estava se passando com ele, naquele momento. E aspirina nenhuma resolveria o problema. Bem sabia e doía saber.
Talvez uma ligação ajudasse. Ou resolvesse.
Mas quem já pensou em ligar como remédio?
Ou serei mais ousada: como cura?
Tirou a roupa e dormiu sem banho.
Não tinha mais o que fazer.
A coisa mais bonita e inédita nessa vida são, definitivamente, as palavras certas saídas na hora certa.
Sim, eu sei que os caminhos se perfazem a cada nova frase, a cada nova volta do ponteiro, e não há certo nem errado. Só o novo e o passado.
Mas tem uma coisa que é concreta e ninguém pode negar ou fingir que não existe. Uma coisa que determina se foi o certo saído na hora certa, da boca (ou dos dedos) mais certos ainda.
A existência ou não da ressaca do dia seguinte. Do segundo seguinte. Do quarto vazio sem banho.
A ressaca na qual se afundava.
Pensou pela última vez.
Nunca mais ia beber.

Nunca mais ia beber da água daquela mulher, na vida.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Ouço passos o tempo todo.
Não sombria ou assustadoramente.
Passos mesmo.
Do vizinho, da menina que entra no banho, da que vai ao mercado.
Finjo ser passos teus.
E que é você chegando pra ficar comigo.
Mas não de um jeito mórbido.
Ou onírico.
De um jeito real mesmo.
De uma sensação estranha de tão real.
Me parece que a qualquer momento você vai aparecer ali na porta
Me sorrindo seu sorriso mais bonito.
Não sonho isso. Espero isso. Como uma possibilidade de fato.
Paro o que estou fazendo.
Prendo a respiração.
Ofego.
Prendo de novo.
O quarto todo escuta o meu coração.
Amoleço como se o sol esquentasse meu corpo num dia gostoso.
E volto ao normal.
Não dói.
Doeu a primeira vez em que eu esperei assim.
Hoje acho até bonito.
Esse meu desejo por você.
Minha ânsia pelo teu abraço-sol.
Isso que faz tudo a minha volta ser teu.
Os passos alheios de cada dia
E com um prazer indizível, eu.

domingo, 1 de março de 2009

Cheguei e pensei

Asas
Não consigo explicar como é chegar ao aeroporto de São Paulo.
Sair por aquelas portas e nunca ter ninguém me esperando do lado de fora é algo assim que não dá pra por em palavras de tão triste.
É tanto desamparo!

Táxi
Percebi. São Paulo não me amedronta mais.
Seus prédios altos. Seu céu cinza. Seu trânsito caótico. Suas pontes de concreto duro. Suas pessoas, quantas pessoas, formigas multicoloridas trabalhando sozinhas. Tudo que eu pensei que fosse me engolir quando, pela primeira vez, botei os pés aqui. Tudo tão familiar. Tudo tão inofensivo...
Não foi no ano passado que esse mundo me engoliu.
Não vai ser nesse.

Crucial
Certa vez eu escrevi que não se ganha uma guerra contra a saudade.
Mas eu estava errada. Eu tinha uma saudade de quem tinha ido. Não uma saudade de quem foi.
Só quando fui, e vim, entendi.
E hoje eu sei.
A guerra não é contra a saudade.
É contra a distância.
A saudade é só o preço que nós temos que pagar pra manter o exército funcionando.
- se for um de elefantes, então. ;x - e essa vai só pra você, minha saudade maior e mais bonita.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Desabafo não necessariamente necessário II

Escrever virou uma espécie de competição pra mim depois que eu percebi que muita gente faz isso melhor do que eu. É compreensível, entende? Escrever foi a única coisa que eu fiz certo nessa vida inteira, a única coisa em que eu fui de verdade boa. Eu podia não saber cantar, não saber servir, não saber contar piada, não saber dançar. Mas eu sabia escrever.

Só não tanto quanto eu achava.

E descobrir isso foi de uma amargura de doer. A partir de então tudo me passou a ser forçado, forjado para ganhar. E nunca mais foi o mesmo.

Há tempos que já não inspirava. Que não tinha grandes sacadas ou frases arrepiantes. Há tempos que não tocava ninguém. Era como crescer e perceber que a piscina da sua casa não é nem tão funda e nem tão grande quanto você achava. Você sabe nadar sob essa nova perspectiva? Eu afoguei de cara.

Passei a ser eu mesma insensível ao que escrevia. E foi numa dessas madrugadas de palavras indiferentes que percebi. Escrever não é nem de longe uma competição.

Se escrevem melhor, ótimo. Ótimo mesmo. O mundo precisa de palavras bonitas, palavras tristes. Palavras bem escritas. Se são minhas ou se eu daria de tudo para sê-las e não o são, que diferença faz? Se o mundo toca.. faz toda a diferença.

É a única ação cujo autor não importa.
Não muito.
Não sempre.
Não, de jeito nenhum.

Sejam melhores.
Melhores do que eu.
Melhores do que ontem.
Escrever não tem primeiro lugar.
Tem todos.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Desabafo não necessariamente necessário

Não nasci pra ser jornalista.
Nasci pra ser livre.


Não que eu entenda muito de liberdade.
Ou que seja um tanto Clarice e ainda não exista nome para o que eu quero.
Existe um nome pro que eu quero.
Chama-se escrever.


E niguém pode me tirar isso.


- e tenho dito!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Foi singelo, rápido - menos de 8 segundos - e perturbador.
Mas aconteceu.
E ele considerou aquilo como o divisor de águas da sua vida.
(mas isso é uma bobagem porque toda decisão sua já é uma espécie de divisor de águas da sua vida).
Enfim, considerou.

Se olhou no espelho e viu a mesma pessoa.
Um pouco mais velha, um pouco mais sábia.
Nem um pouco mais serena.
E afastou os pensamentos de preocupação diária, corriqueira, que nunca tinham hora pra chegar, como não esquecer de comprar pó de café.

- Tinha acontecido aquilo e ele pensou em café.
Isso era uma daquelas provas, que ele sempre provava à contragosto, de que o mundo não para.
Nem para que você comemore.
Muito menos para que você se recupere.
- e, muitas vezes, nem mesmo para que você se dê conta do que aconteceu.
É como um mau competidor.
Se você cai na pista, ele continua em frente.
Acostume-se o quanto antes.
E acostumado ele era.

Por isso largou do café e, em instantes, voltou o pensamento àquilo.
A primeira coisa que viu ao abrir os olhos, naquela manhã cheirando à vodca, foi ela.
Mais velha, mais sábia e, naquele sono profundo, serena.
E naquele momento em particular, e porque era dele, mais bela.
E, pronto. Tinha acontecido.
Ele tinha, finalmente, acordado.

O tempo não foi o dele.
(e quando o é?)
Mas as vontades já não eram as mesmas, o gosto era outro.
E os olhos que abriu? Emprestados.
Os dela haviam molhado e melhorado tudo que era dele, naquela manhã.
E a partir de então, e de repente, tudo ficou muito mais possível com os olhos dela.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Antes de dormir

E foi assim.
Como se eu fosse fiozinhos amarrados em você.
Elásticos que esticam. Elásticos que voltam.
Se não soltam? Soltam.
Só que tem sempre alguém pra dar o nó do reencontro.
Fiozinho que viro, entretanto, o nó torce.. o nó dói de vez em quando.
Dói ser nó e ficar junto. Mas serve pra manter junto. Entende?
É como ser aquelas luzinhas de Natal enroladas.
-Se pudessem falar aposto que gritariam!
Tão cheias de nózinhos. Tão juntas juntas. Não se sabe onde tem começo. Muito menos fim.
A única diferença é que com paciência, a gente consegue separar as luzinhas, todinhas.
Já a gente, com paciência, consegue grudar sem nozinho doído.

Tô me sentindo tão boba.
Com necessidade de escrever assim no diminutivo.
De escrever como aquela menina que ainda não tinha computador e vivia feliz com um calo no dedo de tanto escrever bobamente.

Sei não.
Aquela sua pintinha no olho esquerdo, que me olha doce toda noite, me deixa emocionada.