quarta-feira, 13 de abril de 2011

Amor em 3 atos: Terceiro.

Tem quadros novos pela sua casa, viro os olhos pra eles na hora, pra você não ver o pânico de não saber o que fazer se instalar em meu olhar. Você deve ter trazido de alguma viagem. Eu trouxe os meus das minhas, mas não pendurei nenhum. Você que fazia isso pra mim. Não era nem do tanto que eu pedia, mas do tanto que você não agüentava tropeçar na minha bagunça. Até a minha louça, você lavava, enquanto eu tomava banho. Até a mim... até a mim quando um banho não era o suficiente.

Por que será que a gente só pensa nessas coisas quando elas acabam? Eu sei lá, eu sei que tem mulher que não. Que tem mulher que pensaria e morreria de amores por isso na hora certa. Conheço uma porção delas, por sinal. Que me avisaram disso, por sinal. Mas eu...  eu sempre tive isso, sabe? Pai, irmãos, amigos, ex-namorados. Aquilo me era tão natural quanto um mau costume. Nada a suspirar, entende?

Fato é que eu não precisei ser muito mal-tratada pela vida pra perceber que você era pra lá de suspirável: você era simplesmente respirável. Simplesmente Ar.

- Resolveu virar loira de vez?

E finalmente você resolveu falar. E finalmente você me devolveu o ar.

- Sim, dentre outras coisas.

- Ah é? E qual dessas outras coisas que você resolveu virar foi a que te fez vir atrás de mim?

- A... a... a que perdeu o medo de amar.

E tudo se fez sentido. Rodei o mundo todo pra parar no mesmo lugar para isso. Eu era, finalmente, livre.

- Ahn... Resolveu virar corajosa?

- Não. Feliz.

Sim, eu era feliz.
Era, sim...

Mas não naquele momento.
Porque naquele momento eu era maior, por menos que voce me amasse.


Fim.

domingo, 10 de abril de 2011

Amor em 3 atos: Segundo.

Eu vou e me sento. Sem ser convidada e sem dizer nenhuma palavra. Enquanto você tranca a porta, em silêncio, eu me sinto uma completa estranha. Uma completa estranha num lugar em que eu já considerei mais parte de mim do que a casa em que eu cresci. Eu lembro de que ríamos, nos tempos bons, pensando em como era engraçado o fato de, antes daquele momento, daquele particular momento em que nos conhecemos, sermos uns completos estranhos, alheios a nossa própria existência.

Fizemos aniversário sem nos convidarmos, viajamos sem nos trazer presentes, imaginamos um futuro inteiro sem nossas futuras – e agora passadas - lembranças, e presenças. Você sentiu meu perfume e não se lembrou de mim. Eu ouvia Chico e não me lembrava de você. Nunca mais seríamos assim, como o éramos antes de saber da existência um do outro, do gosto um do outro. Mas isso nunca quis dizer que não nos sentiríamos mais tão pouco à vontade assim quando sozinhos.

E aquele momento era a prova disso.

Me senti incomodada, insegura, nervosa. Tudo que eu não costumava ser na sua presença. Você foi paciente. Paciente até demais, na minha opinião. E ter noção disso me deixava a cada minuto mais nervosa. E mais muda.

Como as coisas mudam!

Eu quis começar um diálogo, podia até ser um monólogo, mas a única frase que cismava em vir na minha cabeça era: eu te amo, porra! E eu não podia despejar aquilo em você. Não assim. Não, de jeito nenhum. Não? Mas o que eu estava fazendo ali, afinal?

- Eu sei que você não me ama mais.

Pronto. Foi tudo o que eu consegui transformar do “eu te amo, porra!” e articular numa frase, que saiu feito bolha da minha boca, feita pra sumir, em seguida, no silêncio constrangedor que se instalou e começou a me consumir. Na verdade, eu só estava esperando que você gritasse bem alto: MENTIRA! QUEM TE DISSE ISSO? EU AINDA TE AMO, SIM! VAMOS FUGIR, VAMOS CASAR, VAMOS FAZER AMOR, VAMOS SER FELIZES, VAMOS, VAMOS... !!

É. Mas não rolou assim.

E "É" foi a sua resposta. Nunca pensei que uma palavrinha tão pequenininha pudesse doer tanto no ouvido da gente. No coração. Nas pernas bambas. Eu quis pensar que você só estivesse sendo meio orgulhoso. Mas você falou com tanta convicção. Na verdade, com tanta indiferença. Que num poderia ter soado mais real...

Era verdade. E até então, eu não contava, de fato, com isso.

(...)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Amor em 3 atos : Primeiro.

Não estou raciocinando muito bem quando decido ir falar com você. Decido? Eu disse decido? Não foi bem uma decisão. Foi mais um impulso. Tudo bem, fui egoísta de novo. Mas foi por amor, dessa vez (vale?). Sei que devia ter cortado toda e qualquer oportunidade de me relacionar com você, antes de qualquer coisa. Mas essa não sou eu. Eu não fecho as portas por onde passo nem as da onde estou. Deixo-as no máximo encostadas. Quem quiser entrar que entre, do passado ou do futuro, faça-me o favor. Sente-se para uma xícara de café, vamos conversar.


Eu não te fiz tão mal. E acho que você não ficaria de todo incomodado em ouvir minha voz de novo. Ficaria, até posso supor, feliz. Ficaria? Sei que tive tempo de sobra pra pensar nessas coisas – e realmente pensei! – mas não consegui me convencer delas, então não é agora que já falei, e porque falei, que isso vá acontecer, né.

Bati. Eu sei que você não é como eu. Que suas portas se fecham sempre que saem as pessoas por ela. Bati com força, então. Já não estava raciocinando mesmo. Não me importava se estivesse fingindo não estar, no momento, ou se estivesse com outra pessoa e eu corria o risco de acordar a casa toda.

Você abriu.

Era 400 vezes mais bonito do que eu me lembrava. Sempre que quero aumentar alguma coisa, como os quilos que eu engordei nos feriados, os minutos em que eu fiquei na fila do supermercado, eu uso o número 400.

Depende do referencial.

No meu, é sempre um número bem grande.

Fez cara de que estava entendendo tudo, e não estava entendendo nada. Agiu seguro, contundente, controlado. Tudo que não costumava ser na minha presença. Sorriu gostoso. Mais de incredulidade do que de satisfação. Eu quis ir embora na hora, mas sei que seria ridículo. Mais ridículo do que ter aparecido, seria ter ido embora! Por isso, e só por isso, eu fiquei. Contra a minha vontade de chorar, que se você não me oferece algo, eu já ia logo satisfazendo.

Daí, fui obrigada a falar que num queria nada, obrigada. E a controlar um choro engasgado, engatado já.

- Você não existe.

Quem dera não existir naquele momento mesmo. Onde eu estava com a cabeça? Ah, já sei... Eu não estava raciocinando muito bem, né? Mas... Justifica?

Ir até ali havia sido impulso. E agora? Minha declaração de amor ia sair do mesmo jeito, impulsionada por um impasse doído? Ou amor não saia espremendo assim?

Que droga. Tinha muito pouco tempo pra pensar em alguma coisa, enquanto tive uns bons anos e meio pra fazê-la, de fato – e nada fiz.

Bom, mas antes de eu chegar até aqui, algumas coisas aconteceram. Eu viajei por todos os continentes, aprendi a cozinhar, a fumar sem tossir, dança de salao, fiquei fluente em três línguas, e cortei o cabelo umas 400 vezes.

Tudo isso pra esquecer você, num primeiro momento, e depois, pra te reconquistar. Confesso que fui mudando essa ordem, especialmente quando percebi que não tinha nascido pra cozinha e de tentativa de ser uma mulher mais interessante pra voce, ela passou a ser apenas um passatempo pra te deixar ir.

A ordem parou em voce quando eu parei de me negar. E ai eu parei.

Aqui.

Eu sei que te conheci quando menina. Só de o tempo ter passado eu já era com certeza uma mulher mais interessante. Ou, no mínimo, uma mulher. Mas eu queria ser uma mais bonita, mais inteligente, mais viajada e mais experiente. Eu queria ser uma mais que todas as outras que ocuparam meu lugar nesse tempo todo, juntas.

E, olha, eu fui.

Eu, olha, eu sou.

Sei lá.

Agora te olhando assim sem saber o que falar me faz questionar por que eu rodei tanto o mundo pra voltar pro mesmo lugar. Ou por que todas as coisas que eu faço são pelos outros e nunca simplesmente por mim. Não podia querer ser uma mulher melhor pra mim?

Não...

Do mesmo jeito que eu nasci sem muitos dotes culinários, eu nasci com muita dependência de ser para alguém. Nesse caso, há muito tempo, e sem mesmo que você desconfiasse, para você.

Eu sei, eu odeio e você também, esse discurso de “nasci assim, não posso mudar”. Mas isso é como que um talento. Ou mais uma falta dele. E outra que sou feliz assim!

Não me sentia feliz naquele momento, mas tudo bem. Eu era.

Era, sim.

(...)