quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sobreamor

Relacionamentos são duros pra quem ainda acha que eles são um jogo aberto.
Pra quem acha que não existe tramóia, traição, drama, mentira e omissão.
Pois adivinhem, só: existe.
E nem por isso deixa de existir amor.
Amor não é um sentimento.
E amor também não é antônimo de nada.
Amor nada exclui.
Sabe, aprendi muitas coisas com você. Mais do que eu queria, confesso.
Mas talvez exatamente as que eu precisava.
- ou talvez eu só goste de pensar assim.
Fato é que a mais útil e verdadeira delas foi essa.
Me dói essa.
A de que o amor é sujo.
Você tem que saber que ao entrar nele vai se lambuzar, seja a primeira vez, seja a milésima.
Amor também não se faz em ditados.
Não se faz em pedaços.
Não se faz em um dia.
Você aprende a jogar com o tempo.
Aprende que não se ama sem os pés no chão.
Que amor nenhum te sustenta nas alturas, todo mês, por mais que ele possa te levar até lá a qualquer hora.
Amor talvez seja a coisa mais humana e mais divina que exista, e justamente por isso a mais complicada. Porque constantemente nos esquecemos dessa sua metade sangue, suor e gente.
Dessa sua metade falha.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Submissão.

Não me importam seus erros.
Seus atos falhos, suas pisadas em falso.
Sua grosseira forma de sair de si.
E entrar em mim.
E me invadir.
E me dilacerar.

Amor não é um sentimento. É uma decisão.
E eu decidi te amar.
E eu vou até o fim.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Covinhas de Cecília

Porque as covinhas dela eram inerentes ao sorriso mais bonito do mundo. Ou ao esboço dele. Ou mesmo à expressão alguma. De ambos os lados, sempre. Perfeitas. Duas fendas sem fundo que me sugavam pra dentro dela, profunda. Eu me perdia nelas pra me encontrar em mim. Por isso a amava. Por suas covinhas. Cecília.
Tinha os curtos cabelos da cor do mel. Os olhos também. Diziam por aí que às vezes ficavam da cor do mar, quando naquele turbulento e misterioso verde-escuro. Mas a única onda que eu via nela era a que os cabelos faziam. Ah! E no jeito... Cecília conseguia ser ao mesmo tempo que doce como esse mel, tempestuosa como esse mar, Mas, não era pelos cabelos ondulados, pelos cílios curvados e abundantes ou pelo gênio paradoxal que só ela tinha, pelo que eu me derretia. Era pelas covinhas.
E olha que era dela o único gênio ao qual eu me submetia sem reclamar. Sem nem perceber... Lembro-me muito bem de como ostentava aquela postura de rainha, de superioridade contida e controlada, porém presente – e tão visível. Não era, porém, a realeza ceciliana que me domava. Eram as covinhas...
Nunca consegui imaginar Cecília sem elas. Não sei se hoje eu consigo. Não dou muita brecha a esse tipo de pensamento. Já dei por uma vida inteira! Mas abençoado seria, porém, se já o conseguisse. Ou se, pelo menos antes, imaginasse, sendo desse amor, por conseguinte, há muito tempo poupado.
Não digo que não valeu a pena esse meu amor por Cecília. Ela me mudou. Era a parte que destoava do todo. A parte do todo que o todo todo queria e eu tinha. Ou na verdade, nunca tive.
Sei não. Hoje eu criei uma classe de mulheres na qual Cecília se encaixaria. Mulheres de ninguém. Mulheres que fisicamente podem ser de todo mundo, mas que sem ninguém já são completas. Como se não te precisassem. Como se nascessem com uma espécie de auto-alma-gêmea. Cecília nascera com isso. Assim como nascera com as covinhas. E assim como eu não conseguia imagina-la sem elas, não conseguia pensar nela comigo, sem essa independência doída de mim. Por isso foi com grande surpresa (e contido prazer) com que a vi, dez anos depois, na casa de minha irmã Estela, vulnerável.
O dia não estava normal àquela manhã.
- Cica está em casa.
Estela só conhecia uma Cica. Às vezes Ciça. Até mesmo Ceci. Mas, independente de como a chamassem, todas eram a:
- Minha Cecília?
- Em carne, osso e selvageria.

*
Até então não sabia se viva ou morta. Casada ou solteira. Cecília ou normal. Assustou-me perceber que, na minha cabeça, a menina de 15 anos que me atormentara por uma vida inteira ainda era – e reinava absoluta – viva, solteira e Cecília, para meu desespero.
- Cica?
- Oh, meu Deus, Mário! Que saudade de você, moço! – disse ao se aninhar sob meus braços abertos num abraço de oi. Nunca tinha me esquecido de como ela se encaixava direitinho ali. Muito menos da sensação de proteção e posse que me invadia quando assim o fazia. – Já nem é mais um moleque!
Nunca fui um moleque com você, Cecília! Você despertava em mim a necessidade de ser homem, de mostrar pra todo mundo que eu era bom o suficiente pra você, menina que podia ter quem quisesse e escolhia a mim, um homem. Mas com aquele comentário, infeliz ou não, consciente ou não, foi que passou pela minha cabeça, pela primeira vez, que talvez eu tentasse em vão.
Não quero que pensem que superestimo uma paixão adolescente. Não digo que Cecília era a moça mais bonita que eu já tinha visto. Nem mesmo a mais inteligente ou engraçada. Mas ela era fada. Meio bruxa às vezes, confesso. Não morríamos de amores por ela, sabe... Mas sentíamos uma necessidade vital - e como tudo que é vital, brutal - dela. Eu ainda acho que eram as covinhas... Ainda acho que Alice tenha se perdido numa espécie delas enquanto percorria seu coelho.
Estava mais velha. Com os cabelos compridos de um jeito que eu nunca tinha visto. De vestido branco e curto.Então, logo quando se desvencilhou do abraço e sorriu, eu pude vê-las. As mesmas. Inconfundíveis. Logo me convidaram a me perder por elas. E, naquele momento, eu fui, sorrindo sem piscar. E fui mais feliz do que podia imaginar.
Cecília estava de volta.
Agora eu podia vo(lt)ar.