sábado, 10 de dezembro de 2011

Um dia eu chego lá

Um dia me perguntaram quando eu tinha começado a escrever. E a verdade é que eu creio ter começado a escrever desde o dia em que aprendi. Ou, talvez, e se possível, até antes disso. Não foi por causa de um acontecimento, um dia, um sentimento, ou  uma inquietação. Foi tão natural quanto perguntar a minha mãe se a professora dela tinha sido tão maravilhosa quanto à tia Dila, porque a tia Dila tinha me ensinado a escrever. Minha mãe ficou conhecendo meu destino. Minha mão já conhecia o caminho.

Lamento não ter guardado meu primeiro registro, e de também não me lembrar dele. Adoto, então, aquele mais antigo que já achei, guardado, dentre os outros, em um caderno de 1997, com as páginas bem amareladas, em que eu me descrevo, logo no início, assim (erros ortográficos mantidos): "Estudo no CEI à 3 anos e meio. Tenho 8 anos e estou na 3ª série. Essa é a série mais difícil de todo o primário. A! Esqueci de dizer que meu nome é Ana Paula. Eu gosto de escrever histórias."

E minha mais antiga história registrada, logo na primeira página, ainda com os erros mantidos (e já falando de amor... haha):

Um dia eu chego lá

Dedé é uma tartaruga muitíssimo lenta, por isso nunca tinha arranjado namorada (!).
Até que um dia, apareceu uma tartaruga perguntando por Dedé.
Dedéia achou Dedé, e marcou um encontro com ele. Mais, Dedé era muito lento, e o lugar era muito longe.
A salvação de Dedé era que o encontro era daqui a duas semanas.
Treinou uma semana na academia da girafa e outra na academia do castor.
O dia do encontro Dedé se aprontou como nunca no salão da cadela.
E foi correndo. Encontrou Dedéia e lhe disse:
- Valeu o esforço!
Dedéia não entendeu mais nada. Fim. (Com um coração de pingo no i)





Posto isso hoje,
Para eu não me esquecer do sentimento. Nem do porquê.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

E por falar em voltar,

Nunca sai de carro (de casa, de você) sem destino. Então não sei bem o que eu faço depois de tirá-lo da garagem só porque nessa noite está chovendo, e dentro de casa (do outro lado do telefone, de mim) não há ninguém. Nem luz há.

Talvez eu pudesse ir até o fim da Afonso Pena. Talvez até a casa de uma das minhas irmãs, mas sem necessariamente entrar. Não, não quero falar com ninguém. Talvez uma volta no quarteirão... talvez até a gasolina acabar. Eu preciso voltar?

Aos (uns) 18, Zélia Duncan repetia bem no meu ouvido, como que um segredo,  que se você vai por muito tempo, você nunca volta. Você retorna, você contorna, mas não tem volta. E desde então, num esforço quase que inconsciente, quase que anestesiante, nunca deixei esse tempo se tornar tanto tempo a ponto de isso acontecer. Mas, na boa, quanto tempo é muito tempo? No amor? Quase nada... Retornei e retornei sem nem perceber que eu não estava voltando.

Mas não tem re volta, não.

É preciso voltar ao começo para entender o fim.
E, às vezes, é preciso não voltar para recomeçar.

Deixa, deixa a gasolina acabar.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Manual de instruções

Queria te fazer um manual de instruções pra brincar comigo.

Não me ame porque eu pareço frágil.
Porque eu pareço amável.
Porque eu pareço você.
Não me ame por um porquê.
Não me ame porque eu pareço perdida.
Não me ame, que eu estou perdida.
Não me ame.
- eu vou perder você.

E não se esqueça: eu não quebro fácil.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

{ km }

(para quem fala ka eme)

Parem de me oferecer um trago.

Uma saída, um boteco, um colo, os ouvidos. Parem!
Parem de me oferecer um trago - que não seja um verbo, e acompanhado dele.
O que eu queria, hoje, era sair daqui, pegar a estrada e dormir ao seu lado. Na verdade, o que eu queria é que o lado fosse aqui do lado. Que não houvesse distância alguma. Havendo, na metade do caminho, (quando o pendrive mal tiver tocado) eu vou me arrepender e voltar pra casa.

...
Desconfio que entre nós dois sempre haverá uma metade do caminho que me fará pegar o retorno mais próximo.

Saco.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Sem fantasia

Se apaixonar não é mágico. Não acontece de uma hora pra outra, quando menos se espera. Não é como queimar a mão na panela quente: ops, queimei! É mais como deixar queimar o arroz. No começo de nossas vidas juntos, eu deixei queimar o arroz de propósito. Estava fuçando nas coisas que você tinha acabado de trazer de mudança, e por fuçando eu digo freneticamente fuçando, quando senti aquele cheiro de queimado, que ainda podia ser salvo. Mas eu não parei! Não parei até encontrar alguma coisa que eu julgava querer, mas não precisava encontrar. E que mudou todo nosso relacionamento depois disso, desnecessariamente. Ah, meninice... Mas isso já é outra história. O que eu tô querendo dizer é que eu deixei a gente queimar, também. Sem chance de salvação. Até acabar numa casa, sem horta, sem criança, com pizza de microondas para o jantar, mas amor de sobra.  

Tem sempre um momento. Tem sempre um momento em que você escolhe esse amor. Você decide se apaixonar ou não. É sem desculpas. E é sempre.  O meu momento foi quando demos carona para a sua mãe e você deu um jeito de me olhar pelo retrovisor e sorrir um sorriso de lábios fechados e coração aberto. Você já tinha tido o seu momento àquela altura, e já tinha escolhido a mim. Então, escolhi. Você pode não se lembrar exatamente de quando escolheu e decidiu se apaixonar, mas você sabe, você sabe que podia ter pulado fora. Desconfie das pessoas que dizem que aconteceu. Amor não simplesmente acontece. Você permite que aconteça. Se apaixonar não é incontrolável, mágico, além das nossas forças ou compreensão. Não há fantasia. É pura lógica e ciência - com um quê de química.

Se se apaixonar fosse tão incontrolável assim, estaríamos, todos, o tempo todo, nos apaixonando por aí. Se se apaixonar fosse místico, seria periódico.  E, pra mim, que te sorri em resposta naquele encontro pelo retrovisor, aquele dia, e te escolhi em cumplicidade para amar, pra mim não é. Eu me apaixonei por você há anos, e acabou. 

Ou apenas tenha começado.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

My Proof: minha preferida


“this photograph is my proof. There was that afternoon, when things were still good between us, and she embraced me, and we were so happy. It did happen. She did love me. Look see for yourself!”

Duene Michals, 1974.
Vale um google it.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Malas (ou De Mudança)

Eu já fiz muitas malas na vida. A maioria daquelas de sentar em cima pra poder fechar. Já as fiz chorando, já as fiz rindo, eufórica e ansiosa e já as fiz indiferente. Ontem foi a primeira vez que as fiz com raiva. Não de mim. Nem dos outros. Simplesmente com raiva. Não sabia onde ela começava ou para onde ia, se é que fosse. Se a raiva fosse um verbo, me seria intransitivo, naquele momento. Sempre gostei do verbo intransitivo. Independente e sem limites. Mas não gostei da raiva assim - e nem da intransitividade do verbo na minha vida. Independente e sem limites também soa como solitário e inconsequente.

Fui jogando as roupas, uma por uma, sem arrumação ou cuidado algum, como se elas fossem parte de mim arrancadas e jogadas lá no fundo. Me senti uma flor sendo despetalada. E, quando me sentei para fechar o zíper, como um gato jogando areia na merda. Foi isso, ué. Foi exatamente assim.

Fui descamada. Pode tirar, pode tirar tudo que não presta mais, pode arrancar. Pode me deixar em carne viva se preciso for. Que se tiver que doer, que seja de uma vez! Cansei de tratar o coração como um órgão tão sensível quanto os olhos. Que a qualquer menção de toque, automaticamente se fecha. Lembranças, especulações, ressentimentos, foram sendo arrancados como pele morta. Pode lvar junto os calos, a casca, tudo aquilo que me ensinou a resistir e a friamente proteger. Se for pra me entregar, que seja descamada. Não há mudança sem trauma. Não tenho mais medo da dor.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ela entrou de chapéu panamá e eu perdi a noção do tempo onde isso é tudo: numa sala de espera. É engraçado como nunca estamos preparados para momentos como esse, embora possamos passar a vida inteira esperando por eles. Mais engraçado ainda é eu pensar nela como uma AK47 me dilacerando suas tantas vezes por minuto, mas eu penso. E nem sei por que, nem por quantos minutos... Já falei aqui que eu perdi a noção do tempo?

De dilacerado, perdi a noção da vida, também. Daqueles tiros em diante, morri pra mim. Meus esforços naturalmente se encaminharam, todos e sem medidas, para a vida dela. Como se esse fosse o destino deles esse tempo todo. Me mudei pra perto. Pra junto. Pra dentro. Pra mais dentro. Em todos os sentidos possíveis e desesperados. Tudo para que ela fosse feliz. Não tive problema algum com isso, obrigado.

Só não o bastante a ponto de não me espantar com a subserviência voluntária que meu panamá de cabelo preto comprido, violentamente, atirou em mim. Demorei a perceber a idolatria perigosa que estava intrínseca a isso. E o mal que ela produz. Mas não estou aqui para falar de males ou de dores. Estou aqui para falar que hoje o sol bateu no rosto moreno dela, que reluziu feito ouro, e eu me senti o cara mais rico do mundo, num mundo em que riqueza traz, sim, felicidade.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sublinhados meus

Os Anos, Virginia Woolf

"E com tal imparcialidade que era inevitável pensar que o deus da chuva, se tal deus existe, dizia: que ela não seja privilégio dos muito sábios, nem dos muito poderosos, mas de tudo que respira, masca e mastiga no mundo, dos ignaros como dos desgraçados, dos que labutam na fornalha para fazer cópias sem fim do mesmo pote e dos que esquentam a cabeça no cipoal das letras. Que todos se beneficiem da minha munificiência."

"E por que os homens pensam que os casos de amor tem importância?"

"Bem, uma vez que não podia ler nem dormir, ela seria apenas pensamento."

"O sol nascia. Devagar ele subia no horizonte, esparzindo luz. Mas o céu era tão vasto, tão nu, que enchê-lo de luz demandava tempo." 

"Tinha de continuar, quisesse ou não. Como são irrevogáveis as coisas! - pensou. Fazemos nosas experiências, mas depois é a vez delas."

"Ela já deve ter visto coisas assim. Ele tinha, muitas vezes. Mas não juntos - o que fazia toda diferença."

"Não haveria grande justiça ou liberdade para os da sua espécie se o gordo pudesse mandar - nem beleza."

".... examinando o adorável rosto da jovem, vazio de expressão ou de caráter como o de um pajem, em que nada está escrito, apenas a mocidade."

"Que importa o que ele disse, o que todos disseram, o que qualquer pessoa tenha dito - se o dia à frente lhe pertencia inteiro? Se ela estava só?"

" - Você é jovem demais para sentir isso. (...) Essa necessidade de encontrar as pessoas. De não perder nenhuma oportunidade de encontrá-las."

"O prazer é maior se partilhado. Será o mesmo com a dor? Será por isso que todo mundo fala tanto de doença? Contar desgraça alheia? Exteriorizar a dor e o prazer e, dando-lhes maior superfície, reduzi-los?"

"A dor bate o prazer de dois a um, pensou, em todas as relações sociais."

"Mas por que comer um pedaço de palavra como se fosse uma cereja na ponta de um cabinho?"

"Tudo retornará dessa maneira, em ciclo, apenas com uma leve diferença? - pensou. Se for assim haverá um desígnio; um tema recorrente como na música; meio lembrado e meio esquecido? ... um plano gigantesco, por um breve momento perceptível? Tal pensamento deu-lhe um vivo prazer: a existência de um plano. (...) É a maneira deles de fazer amor, pensou Eleanor, dando apenas meia atenção ao riso deles e a sua guerra de brinquedo. Outro aspecto do plano, pensou, usando a sua ideia ainda informe para registrar a cena presente. E embora essa forma de fazer amor diferisse da antiga, também tinha seu encanto; era um outro 'amor', distinto provavelmente do tradicional, mas seria por isso pior que ele? De qualquer maneira, pensou, estão cônscios um do outro, vivem um no outro; será o amor mais que isso? - perguntou-se ouvindo o riso deles."

"Havia uma certa obscenidade na inconsciência."

"Abriu o livro. Vai dizer exatamente o que eu estou pensando. Livros abertos ao acaso sempre fazem isso."

"Quisera ter o falcão da mente encapuzado, deixar de pensar, pois pensar é um tormento, e apenas vogar, vogar à deriva e sonhar. É a miséria do mundo, pensou, que me força a pensar. Ou seria isso uma pose? Não estaria se vendo na decorosa atitude de alguém que aponta o próprio coração a sangrar? Alguém que vê a indigência da terra como indigência, os horrores de terra como horrores, quando na verdade, pensou, não amo os meus semelhantes. Viu de novo a calçada salpicada de rubis, os rostos amontoados na porta de um cinema-palácio, rostos apáticos, passivos, rostos de gente drogada com prazeres fáceis, de pessoas que sequer tinham a coragem de serem elas mesmas, mas que se paramentavam, imitavam, fingiam... Aqui mesmo nesta sala, pensou, os olhos fixos de um casal retardatário. Mas não vou pensar, repetiu. Faria da mente uma tábula rasa para depois aceitar, num tolerante quietismo, tudo o que viesse."

"Seus movimentos eram ditados pelo hábito, não pelo sentimento. O que teria feito todos aqueles anos?"

"Estavam ali poesia e passado, trancados naquela bela cabeça de efebo grego que os anos tinham encanecido. Por que não forçá-la a abrir-se, a partilhar os seus tesouros? O que haverá de errado com ele, pensou, enquanto respondia as perguntas habituais de um inglês inteligente sobre a África e seus problemas. Por que ele não se deixa ir, não se derrama? Por que não puxa a corrente do chuveiro? Por que tem tudo lá dentro, a sete chaves, fechado e refrigerado? Porque é um sacerdote, um traficante de mistérios, pensou, sentindo a frigidez do outro, esse guardião de belas palavras."  

terça-feira, 5 de julho de 2011

Cê cresce cê percebe cê cresce

Uma coisa boa eu tirei de tudo isso. E o tudo fica guardado comigo.

Cê percebe que cresce, dentre outras coisas, quando começa a lidar diferente com a dor. Quando eu era mais novinha, fazia um escândalo, esperneava, batia porta, me afogava em fatalismos, a vida tinha acabado mas, ao mesmo tempo, eu fugia do luto, estendendo a coisa ao máximo. Era legal sofrer. Era tipo falar serviço. Quando você fala "daqui a pouco te ligo, tô no serviço", num é tão adulto, tão legal, no começo, por menos que o seja de fato? Sofrer é assim. Daqui a pouco a gente marca de sorrir, tô sofrendo agora.

Hoje deitei no banco do carro, na garagem de casa e fiquei ali, de peito aberto, dilacerado. Sem nenhum esforço em fechá-lo ou curá-lo. Alguém tem morfina, por favor? Não, não, deixa aqui, deixa quieto, muito obrigada. Sem drama, sem lágrima, sem loucura nenhuma. Porque eu sei que passa. É só esperar que passa. Sem desespero. Des-esperar é um não-esperar, já perceberam? Espero. E sei que vou esperar muito mais, mas tão diferente agora. Deixei o tempo fazer seu trabalho enquanto imaginava o ferimento, caso minha dor fosse externizada. Como um tiro no peito? Mas eu não sei como é um tiro no peito. E eu imagino uma coisa assim aberta, estrebuchante, bem feia, sangrenta e vermelha. É? Nem sei se quero saber. Menos pela imagem do que pelo modo com que posso descobrir isso.

Depois de tocar a discografia inteira de Los Hermanos no som do carro, melhorou, passou. Agora era só esperar o dia seguinte pra fazer tudo de novo, até não voltar mais. E não volta. Sabe velho quando você vai visitar? Que sai no meio da visita pra tirar um cochilo? Ele sai que ele sabe que a visita vai embora! Penso a dor como visita que é: quando novos fazemos de tudo pra dar atenção, mesmo quando não aguentamos mais. Depois de velhos... que se foda. 

É. Penso assim, cê percebe que cresce quando todas coisas vão perdendo a importância pro tempo (que cê cansou de perder pra elas).

sábado, 4 de junho de 2011

Socorro

A vida tem sido correr em ânsia. E uma ânsia sem nome e sem endereço. Parecida com aquela fome que você tem sem saber exatamente do que: não mata, mas também não sacia. Me pego repetindo pra mim mesma, constantemente (toda repetição é necessariamente constante?): foco, garota, foco. Mas me sinto como um cão que não vinga quando tentam adestrá-lo. Errando os mesmo erros, desobedecendo as mesmas regras, correndo quando vão corrigi-lo. E se eu corro. Seu... Corro.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Primeiro pensamento do dia

O sol me fez abrir os olhos; impreterivelmente me faz. Lembrei-me de quando tinha você ao lado e isso acontecia. Eu ficava contando suas pintinhas. E beijava cada uma delas até adormecer novamente. Você nunca acordou. Acho que se acordasse eu enrubesceria de vergonha. Eu tinha vergonha de te amar. Depois tive ânsia. Depois desespero. Enfim, medo. Mas como eu amava suas pintinhas! E que saudade delas, da tua pele branquinha, branquinha... do teu peso. A ausência, que tomou o seu lugar assim que eu sai por aquela porta, a ausência não pesa nada. E acho que não pesa de maldade, justamente para que você nunca se iluda de que tem alguém do seu lado quando ela se deita para dormir com você. Fazer amor com a ausência é um estupro. É se dilacerar a noite toda. É segurar o coração enquanto as roupas caem contra a sua vontade.

Eu já segurei o coração nas mãos, antes. Quando o metrô ia passando as estações para chegar na sua casa, por exemplo, ele ficava lá, contando, pulsando acelerado entre meus dedos. Falta muito, tá chegando, que horas são? Mas assim que chegava, eu te entregava ele. E quando as roupas iam parar no chão, ele já estava sob os seus (bons) cuidados há muito tempo. Fazer amor com a ausência é nunca entregá-lo a você. É continuar num metrô de estações infinitas. Não tá chegando, não vai chegar...

É um despir-se no trem com todo mundo olhando. Esse não é o pior tipo de pesadelo? A diferença é que, no meu caso, ele começa quando eu abro os olhos. Ah... Não consigo adormecer sem contar as suas pintinhas... como eu contava as estrelas do céu antes de te encontrar.
E agora, que vai ser mais brilhante que você?

terça-feira, 10 de maio de 2011

Pílula de pensamento

Penso que minha vida inteira foi uma casquinha de machucado.
Segui cutucando, cutucando, sem a menor intenção de curar.
 
 

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Amor em 3 atos: Terceiro.

Tem quadros novos pela sua casa, viro os olhos pra eles na hora, pra você não ver o pânico de não saber o que fazer se instalar em meu olhar. Você deve ter trazido de alguma viagem. Eu trouxe os meus das minhas, mas não pendurei nenhum. Você que fazia isso pra mim. Não era nem do tanto que eu pedia, mas do tanto que você não agüentava tropeçar na minha bagunça. Até a minha louça, você lavava, enquanto eu tomava banho. Até a mim... até a mim quando um banho não era o suficiente.

Por que será que a gente só pensa nessas coisas quando elas acabam? Eu sei lá, eu sei que tem mulher que não. Que tem mulher que pensaria e morreria de amores por isso na hora certa. Conheço uma porção delas, por sinal. Que me avisaram disso, por sinal. Mas eu...  eu sempre tive isso, sabe? Pai, irmãos, amigos, ex-namorados. Aquilo me era tão natural quanto um mau costume. Nada a suspirar, entende?

Fato é que eu não precisei ser muito mal-tratada pela vida pra perceber que você era pra lá de suspirável: você era simplesmente respirável. Simplesmente Ar.

- Resolveu virar loira de vez?

E finalmente você resolveu falar. E finalmente você me devolveu o ar.

- Sim, dentre outras coisas.

- Ah é? E qual dessas outras coisas que você resolveu virar foi a que te fez vir atrás de mim?

- A... a... a que perdeu o medo de amar.

E tudo se fez sentido. Rodei o mundo todo pra parar no mesmo lugar para isso. Eu era, finalmente, livre.

- Ahn... Resolveu virar corajosa?

- Não. Feliz.

Sim, eu era feliz.
Era, sim...

Mas não naquele momento.
Porque naquele momento eu era maior, por menos que voce me amasse.


Fim.

domingo, 10 de abril de 2011

Amor em 3 atos: Segundo.

Eu vou e me sento. Sem ser convidada e sem dizer nenhuma palavra. Enquanto você tranca a porta, em silêncio, eu me sinto uma completa estranha. Uma completa estranha num lugar em que eu já considerei mais parte de mim do que a casa em que eu cresci. Eu lembro de que ríamos, nos tempos bons, pensando em como era engraçado o fato de, antes daquele momento, daquele particular momento em que nos conhecemos, sermos uns completos estranhos, alheios a nossa própria existência.

Fizemos aniversário sem nos convidarmos, viajamos sem nos trazer presentes, imaginamos um futuro inteiro sem nossas futuras – e agora passadas - lembranças, e presenças. Você sentiu meu perfume e não se lembrou de mim. Eu ouvia Chico e não me lembrava de você. Nunca mais seríamos assim, como o éramos antes de saber da existência um do outro, do gosto um do outro. Mas isso nunca quis dizer que não nos sentiríamos mais tão pouco à vontade assim quando sozinhos.

E aquele momento era a prova disso.

Me senti incomodada, insegura, nervosa. Tudo que eu não costumava ser na sua presença. Você foi paciente. Paciente até demais, na minha opinião. E ter noção disso me deixava a cada minuto mais nervosa. E mais muda.

Como as coisas mudam!

Eu quis começar um diálogo, podia até ser um monólogo, mas a única frase que cismava em vir na minha cabeça era: eu te amo, porra! E eu não podia despejar aquilo em você. Não assim. Não, de jeito nenhum. Não? Mas o que eu estava fazendo ali, afinal?

- Eu sei que você não me ama mais.

Pronto. Foi tudo o que eu consegui transformar do “eu te amo, porra!” e articular numa frase, que saiu feito bolha da minha boca, feita pra sumir, em seguida, no silêncio constrangedor que se instalou e começou a me consumir. Na verdade, eu só estava esperando que você gritasse bem alto: MENTIRA! QUEM TE DISSE ISSO? EU AINDA TE AMO, SIM! VAMOS FUGIR, VAMOS CASAR, VAMOS FAZER AMOR, VAMOS SER FELIZES, VAMOS, VAMOS... !!

É. Mas não rolou assim.

E "É" foi a sua resposta. Nunca pensei que uma palavrinha tão pequenininha pudesse doer tanto no ouvido da gente. No coração. Nas pernas bambas. Eu quis pensar que você só estivesse sendo meio orgulhoso. Mas você falou com tanta convicção. Na verdade, com tanta indiferença. Que num poderia ter soado mais real...

Era verdade. E até então, eu não contava, de fato, com isso.

(...)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Amor em 3 atos : Primeiro.

Não estou raciocinando muito bem quando decido ir falar com você. Decido? Eu disse decido? Não foi bem uma decisão. Foi mais um impulso. Tudo bem, fui egoísta de novo. Mas foi por amor, dessa vez (vale?). Sei que devia ter cortado toda e qualquer oportunidade de me relacionar com você, antes de qualquer coisa. Mas essa não sou eu. Eu não fecho as portas por onde passo nem as da onde estou. Deixo-as no máximo encostadas. Quem quiser entrar que entre, do passado ou do futuro, faça-me o favor. Sente-se para uma xícara de café, vamos conversar.


Eu não te fiz tão mal. E acho que você não ficaria de todo incomodado em ouvir minha voz de novo. Ficaria, até posso supor, feliz. Ficaria? Sei que tive tempo de sobra pra pensar nessas coisas – e realmente pensei! – mas não consegui me convencer delas, então não é agora que já falei, e porque falei, que isso vá acontecer, né.

Bati. Eu sei que você não é como eu. Que suas portas se fecham sempre que saem as pessoas por ela. Bati com força, então. Já não estava raciocinando mesmo. Não me importava se estivesse fingindo não estar, no momento, ou se estivesse com outra pessoa e eu corria o risco de acordar a casa toda.

Você abriu.

Era 400 vezes mais bonito do que eu me lembrava. Sempre que quero aumentar alguma coisa, como os quilos que eu engordei nos feriados, os minutos em que eu fiquei na fila do supermercado, eu uso o número 400.

Depende do referencial.

No meu, é sempre um número bem grande.

Fez cara de que estava entendendo tudo, e não estava entendendo nada. Agiu seguro, contundente, controlado. Tudo que não costumava ser na minha presença. Sorriu gostoso. Mais de incredulidade do que de satisfação. Eu quis ir embora na hora, mas sei que seria ridículo. Mais ridículo do que ter aparecido, seria ter ido embora! Por isso, e só por isso, eu fiquei. Contra a minha vontade de chorar, que se você não me oferece algo, eu já ia logo satisfazendo.

Daí, fui obrigada a falar que num queria nada, obrigada. E a controlar um choro engasgado, engatado já.

- Você não existe.

Quem dera não existir naquele momento mesmo. Onde eu estava com a cabeça? Ah, já sei... Eu não estava raciocinando muito bem, né? Mas... Justifica?

Ir até ali havia sido impulso. E agora? Minha declaração de amor ia sair do mesmo jeito, impulsionada por um impasse doído? Ou amor não saia espremendo assim?

Que droga. Tinha muito pouco tempo pra pensar em alguma coisa, enquanto tive uns bons anos e meio pra fazê-la, de fato – e nada fiz.

Bom, mas antes de eu chegar até aqui, algumas coisas aconteceram. Eu viajei por todos os continentes, aprendi a cozinhar, a fumar sem tossir, dança de salao, fiquei fluente em três línguas, e cortei o cabelo umas 400 vezes.

Tudo isso pra esquecer você, num primeiro momento, e depois, pra te reconquistar. Confesso que fui mudando essa ordem, especialmente quando percebi que não tinha nascido pra cozinha e de tentativa de ser uma mulher mais interessante pra voce, ela passou a ser apenas um passatempo pra te deixar ir.

A ordem parou em voce quando eu parei de me negar. E ai eu parei.

Aqui.

Eu sei que te conheci quando menina. Só de o tempo ter passado eu já era com certeza uma mulher mais interessante. Ou, no mínimo, uma mulher. Mas eu queria ser uma mais bonita, mais inteligente, mais viajada e mais experiente. Eu queria ser uma mais que todas as outras que ocuparam meu lugar nesse tempo todo, juntas.

E, olha, eu fui.

Eu, olha, eu sou.

Sei lá.

Agora te olhando assim sem saber o que falar me faz questionar por que eu rodei tanto o mundo pra voltar pro mesmo lugar. Ou por que todas as coisas que eu faço são pelos outros e nunca simplesmente por mim. Não podia querer ser uma mulher melhor pra mim?

Não...

Do mesmo jeito que eu nasci sem muitos dotes culinários, eu nasci com muita dependência de ser para alguém. Nesse caso, há muito tempo, e sem mesmo que você desconfiasse, para você.

Eu sei, eu odeio e você também, esse discurso de “nasci assim, não posso mudar”. Mas isso é como que um talento. Ou mais uma falta dele. E outra que sou feliz assim!

Não me sentia feliz naquele momento, mas tudo bem. Eu era.

Era, sim.

(...)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Singeleza II

Aconteceu. Fazia dias que ela estava esperando. Mas não foi sem esperança de estar errada que ela foi. E deu. Já sabia até o que fazer, para variar. Depois do sexo que não dormiram, não se abraçaram, não falaram nada, nada. Si lên cio. Um vácuo, uma distância. Uma solidão, uma solidão. Tomou o banho e arrumou as malas. Não podia mais aceitar um sexo sem amor com um homem que ainda amava.
Partiu. Partida. De coração apertado, infeliz.
Apartada dele, pra sempre, enfim.
Julgava sinceramente cuidar mais da vida do que de mim. Deformei, ninguém imagina o quanto, a minha obra – o que não quer dizer que se não fizesse isso, ela fosse melhor… Abandonei, traição consciente, a ficção, em favor de um homem-de-estudo que fundamentalmente não sou.
Mário de Andrade

Seriamente tentada em abusar por aqui.
(e largar a faculdade, mas isso num é novidade).

quinta-feira, 10 de março de 2011

de Liz Gilbert

O único excerto de Comer, Rezar, Amar que eu guardei - e dividi:

" - Não estou rindo. - Na verdade eu estava chorando. - E, por favor, não vá você rir de mim agora, mas acho que o motivo pelo qual é tão difícil para mim esquecer esse cara é que eu realmente achava que o David fosse minha alma gêmea.
- Provavelmente era. O problema é que você não entende o que essa expressão significa. As pessoas acham que alma gêmea é o encaixe perfeito e isso é o que todo mundo quer. Mas a verdadeira alma gêmea é um espelho, a pessoa que mostra tudo que está prendendo você, a pessoa que chama sua atenção para você mesmo, para que você posso mudar a sua vida. Uma verdadeira alma gêmea é provavelmente a pessoa mais importante que você vai conhecer, porque elas derrubam as suas paredes e te acordam com um tapa. Mas viver com uma alma gêmea pra sempre? Não. Dói demais. As almas gêmeas só entram na vida para revelar a você uma outra camada de você mesmo, e depois vão embora. Acabou, Sacolão. A missão do David era acordar você, tirar você daquele casamento do qual você precisava sair, destroçar um pouquinho o seu ego, mostrar para você os seus obstáculos e vícios, despedaçar o seu coração (...), deixar você tão desesperada e fora de controle que você fosse obrigada a transformar sua vida. (...) mas agora acabou. (...) Então largue isso.
- Mas eu amo ele.
- Então ame ele.
- Mas eu sinto saudade dele.
- Então sinta saudade."

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Menina

Eu não desenhei você, menina. Primeiro que se eu tivesse parado e desenhado você, menina, você teria um belo par de olhos azuis. Pra não dizer outras coisas que vem em pares... Ah, e você não reprovaria esse meu comentário. Fato é que você teria, sim, sem sombra de dúvidas, uns olhões assim de dar gosto, menina!
Sequer poderia pensar eu que o retrato mais bonito que faria de você seria um com os olhos fechados. E mais... Sequer poderia pensar eu que esses olhos fechados seriam minha companhia em todos os momentos mais prazerosos da minha vida, simplesmente por indicarem os momentos mais prazeroros da sua...
Depois que eu nunca pensaria em como desenhar seu narizinho. Passaria reto e cego por ele. E só hoje eu sei como acho gracioso o seu narizinho. Cheio de pintinhas que aumentam com o sol, franzido quando voce ri, torcido quando me desaprova. A coisa mais linda desse mundo. Desde o primeiro beijinho de esquimó. Essa coisa brega que você insistia em fazer toda vez que me via mal-humorado. Eu ria.
Também não te faria tão alta e desengonçada, menina. Você é tão desproporcional... Tão. Que me encanta profundamente. Quase que me emociona. Te ver chegar ou ir, sempre deselegante, meio menina, meio moleque, quase nada mulher.
Você não seria tão exibida, também. “Olhem para mim, como eu sou atraente, como eu canto bem, como eu sou engraçada, blá, blá, blá.” Mas isso eu sei que é puro ciúme. E me quebra vez’emquando, mesmo sabendo que é besteira.
No fundo, creio que não te faria mais bonita. Você não é a mulher mais bonita que eu já vi nesse mundo. Mas tem uma beleza assim que não enjoa a gente, sabe. Que não afasta a gente, nem inibe. Só convida. E nem sempre recebe.
Você seria flamenguista e faria medicina. Não teria dores de cabeça ao prender o cabelo e nem derreteria o sorvete para tomar porque “assim é mais gostoso”. Você saberia menos de carros. Na verdade, você simplesmente só dirigiria pior do que eu e, às vezes, só às vezes, me pediria pra fazer uma baliza difícil.
Mas não fui eu que te desenhei, menina. E eu agradeço todos os dias por isso. Agradeço a Deus, ou o que quer que erroneamente chamamos de Deus, por não ter desenhado você. Ou talvez, ainda agradeça a Ele por ter parado e desenhado. Como eu ia criar uma coisinha assim como você?
Que anda em câmera lenta?
Não. Não é que eu ouça música, sinos ou veja estrelas quando te vejo.
Nem tudo para. Aliás, tudo continua.
Mas é que você mexe comigo em câmera lenta, sabe?
Deve ser quando eu bebo demais.
Ou de menos – e aí que a necessidade de te esquecer vem forte e tudo em você parece ter que demorar mais pra ficar mais tempo comigo. Talvez se você fosse de minha autoria não tivesse que ir embora e me obrigar a te banir dos pensamentos.
Mas, sem hipocrisia, mil vezes a tua liberdade de mim do que a mísera possibilidade de eu te criar menos menina. Essa menina que quando eu disse “me abraça” em francês, bêbado, no meio da rua, me abraçou segura. E eu achei lindo! E te amei mais que tudo.
Minha menina.
Mil vezes a tua liberdade que a tua desnatureza.
Linda.
Selvagem.
Rainha.

Sozinha.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Madrugadeando

Ela, pra quem o amor era morrer por alguém, perguntou:
"Você tem medo de que eu morra?"
E eu queria ser fiel à resposta dele, mas nem eu sabia qual era... Poderia mentir, inventar, ou criar, como eu gosto de dizer, mas eu queria saber de verdade. Eu queria as coisas de verdade, agora. Especialmente as respostas, especialmente o amor. E isso me fez perder o controle dos meus personagens. Se eu soubesse o que ele iria dizer... Só sei que, ah, se eu pudesse realmente saber e ele pudesse realmente responder, a próxima pergunta dela estaria na ponta da (nossa)língua: "e quando é que você vai me deixar?"

Mas... não sei.
(segredo: nem sei se ele sabe).