terça-feira, 31 de março de 2009

De ressaca

Entrou em casa e apagou o cigarro. Parou três vezes antes de ir para o quarto.
E em todas as paradas pensou na mesma coisa.
Tem pensamentos que nos são e serão recorrentes a vida toda.
Dentre eles, o clássico "Por que eu não falei isso?"
Horas de conversas difíceis de acontecer e era quase sempre o que sobrava.
Nos preparamos tanto para falar.
A coragem que não temos é o ar que respiramos.
E buscamos e encontramos e expiramos e inspiramos.
Até que, ébrios, falamos. Finalmente conseguimos falar.
Mas tal como uma bebedeira, sai tudo apressado, enrolado, errado, nunca como ensaiamos.
Daí vem, sóbrios, a dor de cabeça. Por que não falei isso? Por que falei? Por que falhei?
Era o que estava se passando com ele, naquele momento. E aspirina nenhuma resolveria o problema. Bem sabia e doía saber.
Talvez uma ligação ajudasse. Ou resolvesse.
Mas quem já pensou em ligar como remédio?
Ou serei mais ousada: como cura?
Tirou a roupa e dormiu sem banho.
Não tinha mais o que fazer.
A coisa mais bonita e inédita nessa vida são, definitivamente, as palavras certas saídas na hora certa.
Sim, eu sei que os caminhos se perfazem a cada nova frase, a cada nova volta do ponteiro, e não há certo nem errado. Só o novo e o passado.
Mas tem uma coisa que é concreta e ninguém pode negar ou fingir que não existe. Uma coisa que determina se foi o certo saído na hora certa, da boca (ou dos dedos) mais certos ainda.
A existência ou não da ressaca do dia seguinte. Do segundo seguinte. Do quarto vazio sem banho.
A ressaca na qual se afundava.
Pensou pela última vez.
Nunca mais ia beber.

Nunca mais ia beber da água daquela mulher, na vida.

2 comentários:

Maria Joana disse...

ébrios...
esse é vocabulário muito típico de outra pessoa...

Tulio Bucchioni disse...

consegui imaginar tudo com uma precisão absurda que só vc e seus textos poderiam me oferecer!
lindo e angustiante. vivo acima de tudo!!!