quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Personageando-me

Em todo o meu tempo de leitora busquei me encontrar em alguma das personagens que li. Mais do que numa simples - ou até mesmo complexa - semelhança ou num gosto incomum em comum, eu busquei achar algo que me explicasse de um jeito que nem mesmo eu sabia me explicar, de um jeito espelho que me tomasse de um assombro inteiramente particular. Procurei... Especialmente nas personagens masculinas porque, a despeito de conseguir fazer mil coisas ao mesmo tempo e de prestar atenção e opinar em mil conversas paralelas, sempre me achei um pouco homem num corpo de mulher. Minhas reclamações, o jeito de lidar - lê-se fugir - dos sentimentos e relacionamentos, minhas indiferenças e desatenções, meu desligamento, absolutamente tudo que eu sempre ouvi minhas meninas falarem e concordarem, em cumplicidade, a respeito dos homens era o que eu pensava/sentia/fazia, desde sempre. Isso, além do futebol e da cerveja, confesso, fizeram com que me procurasse, sinceramente, nos homens que li e reli sem limites, durante a vida. Mas foi numa mulher, e quando menos esperei ou procurei, quando já me pensava única no mundo - olha que disparate! - que fui me encontrar, certeira. E não foi diferente do que eu pensava, não. Me tomei de um assombro espetacular, me entendi como nunca e como nunca me senti mulher.

Amaranta Buendía é uma personagem de Gabriel Garcia Márquez, em Cem Anos de Solidão. E ele conseguiu explicar e entender nela o que eu passaria anos sem entender e explicar em mim.
(ou que eu passaria anos fingindo que não entendia?)

"Amaranta, pelo contrário, cuja dureza de coração a espantava, cuja concentrada amargura a amargava, foi revelado no último exame como a mulher mais terna que jamais pudesse haver existido e compreendeu com uma penosa clarividência que as injustas torturas a que submetera Pietro Crespi não eram ditadas por uma vontade de vingança, como todo mundo pensava, nem o lento martírio com que frustrara a vida do Coronel Gerineldo Márquez tinha sido determinado pelo fel ruim da sua amargura, como todo mundo pensava, mas sim que ambas as ações tinham sido uma luta de morte entre um amor sem medidas e uma covardia invencível, e triunfara finalmente o medo irracional que Amaranta sempre tivera do seu próprio e atormentado coração."

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